domingo, 22 de dezembro de 2013

Por que não desistir do amor?

"-Eu queria te perguntar uma coisa
 -Pode falar
 -Por que você acha que eu não tenho que desistir do amor?
 -Bem..."
O que eu respondi foi que a vida sem amor é muito pouco, muito menos do que pode ser. Eu não sou uma pessoa que preza as felicidades e satisfações materiais, então desistir do amor é desistir de parte do que te deixa feliz de verdade, feliz por dentro.

"-Não sei como é isso, tô cansado de ser humilhado só porque gosto de alguém"

Acontece que do jeito que eu vejo, não se precisa ser retribuído no amor pra saber como ele te faz bem. Algumas pessoas às vezes confundem, dizendo que amor é uma merda, que te deixa na pior, que só traz sofrimento. Amor de verdade não faz com que você se sinta mal, faz com que você se sinta bem. É simples assim. Ser humilhado é uma merda, ser rejeitado te deixa na pior, ser abandonado ou traído te traz sofrimento. Essas coisas vêm junto do amor, inevitavelmente, mas se fechar pra esse tipo de tristeza e dor significa se fechar pra felicidade de verdade, também. E nenhuma dessas merdas consegue esmorecer aquele sentimento incomparável de amor nascendo, mesmo que ele acabe não sendo retribuído.

"-Não sei, depende muito da forma que é dada essa não-retribuição..."

É claro, se a pessoa te afasta ou passa a te tratar diferente, é horrível. Mas se isso não acontece, amor nascendo é poesia, amor nascendo é loucura. Amor nascendo é o mais próximo de magia que temos pra acreditar. É ter borboletas no estômago, é suar frio, é tremelique na perna. É querer estar sempre perto, é ter lembranças minimalistas, é rir à toa. É como pular de um precipício: geralmente dói horrores quando se cai, mas o mais importante é que por alguns míseros instantes, pareceu que você podia voar. E míseros instantes no paraíso fazem valer a pena a eternidade que você passou na terra. É como uma montanha-russa, e mesmo que agora você possa estar se sentindo por baixo, eventualmente você fica por cima. E até lá, vamos tentar pensar positivo!
Promete que tenta também...? <3

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Não existem momentos genuinamente bacanas se eles não estiverem devidamente registrados em megapixels, armazenados em bytes, megabytes, gigabytes e até o tal do terabyte. Agora me diz: de quantos bits um ser humano precisa pra ser feliz?

Férias

Hoje acordei com vontade de escrever.
Se eu dissesse isso, estaria mentindo, porque como de costume, acordei com fome e com vontade de dormir mais. Mas isso não vem muito ao caso. Acordei às duas da tarde e queria quebrar a rotina monótona das minhas longas e curtas férias. Catei na cozinha um pedaço de quiche e mandei uma mensagem pro primeiro nome feminino que vi na agenda, chamando a garota pra sair. Botei pra tocar um álbum do Bowie enquanto esperava a resposta, e fiquei vendo as horas pularem janela fora enquanto pensava em coisas úteis que poderia estar fazendo naquele momento. É claro que olhar pro nada e ouvir música é infinitamente mais interessante.
Acho que passei mais tempo assim do que pensei.
Minha mãe acabou batendo na porta do quarto querendo saber se eu ainda respirava. Fingi estar asfixiando, mas eventualmente tive de dizer a ela que estava tudo bem, pra que ela saísse do quarto rindo e comentando como esse menino não tinha jeito mesmo. Olhei o celular. Nada. Troquei o álbum que já tocava pela quarta vez e puxei um livro bonitinho da estante pra ler sobre Nova York e Paris, mas a diversão foi breve. Tentei alguma coisa mais duradoura e baixei um filme da lista "férias", que se limitou a render rápidos e bons 102 minutos de pensamentos e emoções sobre garotos introvertidos e invisibilidade. Bonito, mas curto demais pra saciar o tédio de um garoto de 16 anos em período de férias e sem dinheiro. Pensei que devia ter escolhido aquele de vampiros que dura algo como 6 horas, mas esqueci como se chamava. Horas após tê-lo feito, percebi que meu convite tinha sido ignorado, então dei de ombros e decidi que iria escrever. Naturalmente, pensa-se que a pessoa vá ler em busca de inspiração, mas como tudo que dizem trazer inspiração, isso nunca dá certo comigo. Eu juro que adoraria conseguir escrever um daqueles textos com humor fino e aguçado, algo mais parecido com uma crônica humorística, como se engatinhando prum estilo Veríssimo. Mas é claro que não era pra ser. Só o que sei fazer é escrever sobre minhas tristezas, e nem eu tenho tido paciência pra elas recentemente. Morrissey, se você estiver ouvindo isso, por favor me perdoe, pois eu pequei. Infelizmente, é isso mesmo, não há muito a se fazer a respeito, e nem mesmo sei direito o que quis dizer com esse texto.
Oh, well, amanhã tentamos de novo. Novo dia, novo filme, novo livro, novo texto. O mesmo tédio.
Sinto-me solitário. Todos os blogs que costumava seguir se encontram abandonados...

Alguém aí quer ser meu amigo?

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Fingimentos

A noite instaurada é sombria, e nem a lua ousa manifestar sua luz prateada. O céu escuro é lenta e completamente recoberto por soturnas nuvens negras, que se instalam em toda a vista da minha varanda como maus agouros. Não passa muito tempo e logo desabam do céu gélidos pingos grossos de chuva, que molham a terra fresca e atraem sapos e rãs cujo croar passa a ecoar na madrugada. No entanto, o som é breve, e tanto o ruído da chuva quanto o dos anfíbios logo cessa, deixando-me novamente no mais profundo silêncio. As horas voam enquanto o sono continua a me escapar da mão, acuado com os pensamentos que conseguem abrir caminho para dentro de minha cabeça. Perdido e sozinho na escuridão, só consigo perguntar que teria feito eu para merecer isto.
O desejo que brotava de meu âmago era abrir a porta de vidro e esperar que a chuva caísse sobre mim, levando consigo toda a negatividade junto desses sentimentos ruins. A Razão, no entanto, me puxou para a realidade, me alertando que tomar chuva antes de dormir quando se tem aula no dia seguinte não seria um ato prudente. Minha Razão se recusa a assimilar a ideia de que algumas coisas estão simplesmente fora de seu alcance. A tristeza que não me abandona, por exemplo, e os sussurros que ecoam no escuro quando estou sozinho. Pois embora eu tente não pensar no que o futuro irá trazer, o medo volta a me assombrar e não consigo afastar a sensação de que o pior está por vir. Mas se pelo menos...
...Se pelo menos você soubesse como me sinto!
Indesejada, a Razão persiste em interferir em assuntos que não lhe dizem respeito, e me diz que não tem sentido se arriscar em um jogo que já foi perdido. Ela não entende que na verdade eu queria fingir, ainda que fosse só por um momento. Só por um instante, queria não saber as coisas que imagino, e poder aproveitar cada segundo antes que isso tudo se acabe. Eu queria acreditar, por mais rápido que fosse. Te dar um abraço apertado, te beijar no pescoço e falar baixinho no seu ouvido que sei que vamos dar certo e que somos perfeitos um para o outro. Mas, mesmo eu sei que isso tudo são só mentiras sem sentido. Tentativas idiotas de ver se consigo te trazer de volta pros meus braços saudosos. Já é uma aposta perdida, me diz a Razão. Você e eu nunca seremos nós...
Talvez minha Razão tenha razão. Talvez eu devesse ir dormir agora, na esperança de conseguir no sonho aquilo que a realidade me nega. Talvez as coisas tenham que ser assim mesmo. Talvez você só me ame mesmo como amigo. Acontece que no fundo, eu ainda quero ter esperança. Quero acreditar que podemos ser felizes juntos, e que esses pensamentos ruins são só coisa da minha cabeça. Quero acreditar que você realmente quer estar com... com alguém como eu. Mas eu tenho medo do futuro. Tenho medo do que ele leva embora, e do que ele pode trazer. E me pergunto se algum dia, juntinho do meu amor eu vou poder viver...

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

"Vamos pensar positivo!"

Fui andando por aquela rua arborizada sentindo uma brisa fresca contra meu rosto enquanto procurava o número 11. Toquei aleatoriamente um dos seis botões de campainha que ali estavam, e uma voz tornada rouca pelo interfone me disse para entrar. Atravessei uma porta de vidro e entrei por uma outra porta no que parecia uma típica sala de espera. Música de lounge tocando baixo, ventilador fraco girando lento, sofá amassado na parede, revistas variadas espalhadas pela mesinha de centro, pequenos quadros tortos pendurados na parede. Ansiedade e batimentos cardíacos ligeiramente acelerados. Passando a mão excessivamente no cabelo e batendo as unhas ritmadamente no braço de madeira do sofá. De repente, tirando-me de meus pensamentos, uma mulher de baixa estatura chamou por meu nome. Ela tinha o cabelo castanho-claro preso em um rabo de cavalo e usava jeans azul e blusa branca. Devo confessar que à primeira vista, certamente não fui com a cara dela. Ela observava com olhos vagos de peixe morto e tinha um rosto que não se esperava de alguém com o trabalho dela. Acabei relevando, visto que o sorriso e a doçura em sua voz fizeram com que me sentisse menos desconfortável. A moça peixe-morto me conduziu até uma sala no interior da casa, onde sentamos e ela me fez a mais típica das perguntas de primeiros dias. Por trás de seu estoicismo, vi acender em seu rosto uma faísca de interesse, e concluí que minha resposta a havia satisfeito, embora não fosse essa a minha intenção inicialmente. Continuamos a conversar e ela acabou constatando sua admiração pela minha determinação e otimismo de estar lá por conta própria. Me pareceu um tanto ridícula uma admiração superficial como essa, para ser sincero. Aquela mulher definitivamente não tinha noção de com quem estava lidando. Mas então ela fez um comentário afiado e certeiro que me pegou desprevenido. Fiquei sem reação por alguns segundos, em choque com a obviedade do que me havia sido dito e com a minha aparente alienação em relação a isso. Pelo visto, o olhar vago e vazio daquela mulher enxerga coisas que o olho normal não vê! Notando a minha óbvia surpresa, ela apenas se limitou a sorrir silenciosamente de orelha a orelha, como quem dissesse que eu inevitavelmente tornaria a vê-la naquela sala.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Formatura

Uma sensação estranha teve me afligido durante estes últimos dias. Uma que não consigo entender, por mais que já tenha tentado. O que poderia ser melhor do que passar tempo com um grande grupo composto por seus amigos, certo? As pessoas com quem você mais conviveu, passou bons momentos, momentos de tristeza, momentos de felicidade e de angústia, de estresse e sossego. Pessoas que se importam com você, certo? Certo.
Mas...
Conforme o tempo vai passando, as coisas se tornam mais difíceis. Problemas vão se multiplicando, junto das responsabilidades, e se vai percebendo que se tem mais dúvidas do que certezas, no final das contas. Os anos se somaram, e fui enxergando que talvez não tivesse tantas coisas em comum com o resto deles. E os dias que se sucediam infelizmente deixavam isso cada vez mais claro. Tive meus amigos, meus bons e próximos amigos, mas esse senso de coletividade que unia todos os outros... Eu tentei fazer parte disso, juro que tentei. Me encontrar com pessoas variadas, ter vários tipos de conversas diferentes, e até mesmo sair com grupos grandes, algo que já naquela época não me era muito querido. Mas não adiantou. Vezes demais me sentia desconfortável, inquieto, pensando comigo mesmo que estava no lugar errado, que aquele não era realmente o espaço para mim. Eu simplesmente não conseguia me sentir do mesmo jeito que eles, por mais que tentasse. Parecia-me que o pertencimento simplesmente estivera além do alcance da mão o tempo todo. Eu não podia evitar o modo como me sentia, ou o modo como deixava de me sentir. As pessoas estavam sempre se comunicando, se conectando, enquanto eu nunca soube o que fazer. Eu era bom demais em esconder aquilo que queriam ver de mim. Falhei em fazer algo em relação a isso... Mas eu havia me resignado. Sabia que já não podia mais fingir que as coisas não eram tão leves quanto poderiam ser, mas eu lidava bem com elas. Mesmo após ter por um ínfimo instante participado de tudo isso, acabei voltando ao mesmo, me questionando se ganharia mais sozinho ou em grupo. Observando toda aquela baboseira do lado de fora, acabava pensando no quanto ela deveria ser tão estupidamente aconchegante e acolhedora.
Até o dia da foto. Quando a foto de turma chegou, não conseguia explicar as sensações que se formavam dentro de mim. Observei cada um daqueles rostos, cada uma daquelas pessoas que participaram de tantos momentos da minha vida, cada conversa jogada fora, cada segundo desperdiçado, e experimentei uma sensação de profundo pesar. Talvez eu tenha sido um tolo, afinal de contas, por não conseguir aproveitar a beleza que estivera por tantos anos diante de mim e agora escorria por entre os meus dedos como areia fina. Na verdade verdadeira, eu era um tolo por me sentir tão saudoso e sofrer tanto pela perda de algo que nunca foi meu em primeiro lugar.

CEAT, Turma 31 2013
Gente, eu só queria compartilhar a minha felicidade por possuir posts com MAIS DE 400 VISUALIZAÇÕES OH YEAH FUCK JESUS!

Resgatando o resgatável

Eu não consigo mais me expressar. Eu queria muito, pois a minha mente pesa e meu coração lamenta. São 22:54 da noite, e eu deveria estar estudando química, mas não consigo deixar isso pra lá. Eu não faço idéia do que dizer agora, e isso é assustador! Isso nunca aconteceu comigo antes. Eu sempre soube exatamente o que dizer nas situações, e quando não sabia, demonstrava confiança suficiente no que dizia para que os outros acreditassem em mim. Mas agora eu me encontro... sem palavras. Sem fôlego, estou atônito! Eu nunca imaginei que me sentiria assim de novo um dia. Nunca nos meus pesadelos mais sombrios eu fiquei tão perplexo. Por tanto tempo eu passei por livros, histórias e acontecimentos que, por mais que fossem interessantes, não me sensibilizavam. Eu lia, compreendia, mas não sentia. E agora, eu me sinto emocionado. De verdade. E não faço a menor idéia de como lidar com isso, essa onda avassaladora de sensações. O que é essa coisa estranha e diferente? Afloraram coisas que eu acreditei piamente estarem trancadas há tempos em algum canto escuro do meu ser. Me sinto uma criança de novo, perdido e sozinho, tentando assimilar esses sentimentos pela primeira vez. E agora meus olhos estão vermelhos, aflitos, e eu continuo aqui, confuso, sem saber o que fazer, dominado por tudo aquilo que escrevi e pensei, agora finalmente forçado a sentir.

Este texto foi escrito em 31/10/2012 e qualquer semelhança com a atualidade é mera coincidência
De repente senti desejo de ver até onde minhas inspirações inacabadas podiam levar, ao invés de sentir medo de não saber conduzi-las direito.

Mania de explicação

Calor é aquilo que passa do meu corpo pro seu
Frio é quando você insiste no jogo duro
Escuro é aquele espacinho entre seu pescoço, seu ombro e o travesseiro
Claridade é quando você sorri envergonhado
Vento é aquilo que você sopra quente no meu ouvido
Música é aquilo que cantamos um pro outro
Preguiça é aquela hora entre o "bom dia" e o levantar da cama
Agitação é aquilo que deixa a gente suado
Sexo é o prazer de poder aproveitar sua companhia
Felicidade é o nosso agora que não tem pressa nenhuma
Dia é aquilo que vai embora sem a gente perceber
Noite é quando a gente se esquece de dormir
Ansiedade é quando faltam minutos demais pra você chegar
Paixão é quando apesar do perigo, o desejo chega e entra
Beijo é nossa pequena tentativa de chegar mais perto
Saudade é quando nosso passado insiste em tentar acontecer de novo
Despedida é aquilo que diz 'eu volto'


As coisas ficam um pouco mais simples juntos, não acha?
Alguém que não conheço se deu ao trabalho de comentar em meu blog pedindo outras postagens...
Como não amar? <3

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

"Você já se conformou em um relacionamento por mais tempo do que deveria porque achou que o amor era aquilo mesmo, e que não encontraria alguém como um dia sonhou?"

Qual é o problema de ser introvertido?

"Mais de uma vez, eu digitava quietamente no meu computador no trabalho (para os que não sabem, sou jornalista e trabalho em uma redação, em uma editora de revistas, e redações em geral mantêm um nível razoável de barulho e conversa) quando o diretor de redação comentou com o meu chefe, na minha frente:
“Mas ela não fala, não?” ou “Que silêncio nesse canto aqui, hein?”
Eu fico sem graça. Me sinto na obrigação de dar uma justificativa para o meu comportamento recluso, ainda que o comentário seja uma brincadeira. Eu poderia ser uma daquelas pessoas que contam as piadas que todos dão risada, que fazem um comentário sagaz sobre a conversa geral, mas não sou.  Mas não é culpa do diretor de redação. Ele é uma pessoa bacana que apenas chamou atenção para uma opinião geral da sociedade: a de que extrovertidos são mais bem vistos do que introvertidos. Afinal, todos parecem gostar daquelas pessoas carismáticas, que têm um magnetismo natural, que falam bem em público, parecem estar cercados de amigos, sabem contar uma boa história.
Eu, por outro lado, sempre fui levada a acreditar que tinha algum problema comigo. Na escola e na faculdade, fazer trabalho em grupo era um terror. Eu pedia para fazer a tarefa individual, mesmo que o professor avisasse que o trabalho era difícil de ser feito sozinho. Seminários, então, eram um pesadelo. Na aula de educação física, eu sempre tinha uma desculpa diferente para não participar dos jogos e, quando tinha que participar, era a última a ser escolhida. Não se trata de ser popular ou não: sempre tive meus poucos e bons amigos, fui atrás dos meus interesses, nunca sofri bullying ou nada do tipo.
Mas é um fato também que sempre fui do grupo dos introvertidos, e que isso parecia ser colocado, na balança social invisível, abaixo do mundo dos extrovertidos. Perdi a conta de quantas vezes ouvi alguém me descrever como “tímida”. E por algum tempo acreditei nisso. Mas não sou tímida! Sou introvertida. Já ouvi muito também os outros me dizerem que “achavam que eu era toda certinha” antes de me conhecer direito. Por quê? Por que eu não grito, não sou vulgar, não me exponho?
Não quero sair de balada todos os dias. Não quero conversar no ônibus ou na fila do banco com estranhos. Não quero amizades superficiais. Me irrito com papo-furado, conversinha fiada sem sentido. Sabe aquela conversa de elevador? Pois é, detesto. Não quero participar de um teatro interativo com a plateia. Prefiro ler um livro, cozinhar e navegar na internet a participar de atividades coletivas. Me expresso melhor escrevendo do que falando. Não gosto de falar no telefone. E por isso passo por chata, antissocial, arrogante, tímida e esquisita.
Ao mesmo tempo, invejo secretamente os palestrantes do TED, admito que queria saber como contar uma piada e que me sinto solitária às vezes, e que gostaria de ser uma pessoa um pouco mais desenvolta. Às vezes me sinto inadequada socialmente ou, como uma expressão em inglês define muito bem, unfit (fit é aquilo que cabe, que está na forma certa, e unfitseria algo que não encaixa).
Existe algo de errado com tudo isso? Eu padeço do mal de ser antissocial? Me fizeram acreditar que sim, mas começo a achar que não. Estou lendo o livro Quiet: the power of introverts in a world that can’t stop talking (no Brasil foi publicado como O Poder dos Quietos), que desde a primeira linha foi uma grande “Eureka” para mim.
A autora Susan Cain, ela mesmo uma introvertida, defende que se todos fôssemos extrovertidos ou todos introvertidos, o mundo não daria certo. Ou seja: sem a diversidade, não haveria sucesso.
Como exemplo disso, ela conta a história de Rosa Parks, considerada a mãe do movimento de direitos humanos nos Estados Unidos por ter se negado, em um belo dia, a se levantar do seu assento no ônibus para dar lugar a uma mulher branca. Ela levantava todos os dias, mas naquele decidiu não levantar. Por isso foi presa, julgada e condenada. Isso foi o estopim para o movimento que deu aos afroamericanos direitos iguais aos brancos do país, pois quem saiu na defesa de Parks foi ninguém menos que Martin Luther King Jr. A conclusão é: se um ativista extrovertido como ele tivesse se negado a ceder um assento no ônibus, o efeito teria sido menor. Quem precisava dizer basta era aquela senhora introvertida, quieta, mirrada. Mas quem precisava pegar o microfone e dizer “Eu tive um sonho” era o reverendo.
A questão é que vivemos sob o “ideal extrovertido”, conforme explica a autora. É uma mentalidade que coloca o comportamento “alfa”, que gosta dos holofotes, como ideal social. Prefere ação à contemplação, certeza à dúvida. Isso faz com que introvertimento, junto com seus primos sensibilidade, timidez e seriedade, estejam, segundo Susan, entre uma decepção e uma patologia. Quem já não ouviu, afinal, pais se desculpando pelo silêncio e timidez do filho para os amigos, ou até mesmo para estranhos? Por que crianças tagarelas são mais queridas e tidas como mais inteligentes? Afinal, Einstein só foi começar a falar aos 6 anos!  Na escola também somos  encorajados a “sair da toca” e nos abrir, como se a reclusão fosse uma atrofia social, uma deficiência.
Susan observa, ainda, que muito do que influencia no modo como pensamos e vivemos hoje partiu de pessoas introvertidas, como a teoria da evolução, os quadros de Van Gogh, a invenção do computador pessoal, as composições de Chopin, alguns dos clássicos da literatura, o Google. A lista é infindável.
O livro traz também um teste interessante (com nenhuma relevância acadêmica, mas interessante mesmo assim) para saber se você é extrovertido ou introvertido (responda “sim” ou “não”):
* Atenção: a tradução foi feita por mim e só tem como objetivo fazer referência ao livro!
“1. Eu prefiro conversas a dois do que atividades em grupo.
2. Frequentemente prefiro me expressar escrevendo.
3. Eu gosto de solidão.
4. Eu pareço me importar menos com riqueza, fama e status  que meus conhecidos.
5. Não gosto de conversa fiada, mas gosto de conversar com profundidade sobre tópicos que importam para mim.
6. As pessoas me falam que sou um bom ouvinte.
7. Não sou o tipo de pessoa que gosta de correr riscos.
8. Gosto do tipo de trabalho que permite que eu mergulhe nele com pouca interrupção.
9. Gosto de celebrar aniversários em pequena escala, com apenas um ou dois amigos próximos ou membros da família.
10. As pessoas me descrevem frequentemente como “de fala mansa” e “tranquila”.
11. Eu prefiro não mostrar ou discutir meu trabalho com outros até que esteja terminado.
12. Não gosto de conflito.
13. Eu faço o meu melhor  trabalho sozinho.
14. Eu tendo a pensar antes de falar.
15. Eu me sinto exaurido depois de sair de casa, mesmo que eu tenha me divertido.
16. Frequentemente eu deixo ligações irem para o correio de voz.
17. Se eu pudesse escolher, eu preferiria um fim de semana com absolutamente nada para fazer do que um com muitas coisas marcadas.
18. Não gosto de ser multitarefas (fazer várias coisas ao mesmo tempo).
19. Eu consigo me concentrar facilmente.
20. Em sala de aula, eu prefiro aulas expositivas a seminários.”
Se você marcou “sim” para a maioria das afirmações, você é um introvertido. Confesso que marquei apenas a 3, 11, 18 e 19 como “não”, e as outras 16 foram um grande sim. E me senti bem por isso. Por não me sentir tão deslocada.
Senti o mesmo quando me apaixonei pelo trabalho da Annie Leonard através do vídeo “A história das coisas”. Conforme a entrevistei e fui acompanhando seu trabalho, me senti frustrada por não ser mais como ela e de fato promover mudanças. Mas não tenho o perfil de ativista! Me senti hipócrita por escrever e pregar o que devemos fazer para mudar e não colocar a mão na massa, largar o emprego e me dedicar a uma causa, por exemplo. Mas a própria Annie, sem saber, me deu a resposta a este dilema quando criou um quiz chamado “Que tipo de agente de mudança é você?”. Com ele, entendi que existem diversas formas de promover a mudança de acordo com a sua personalidade: a de resister (aquele que resiste, que faz protestos), networker (quem faz contatos), nurturer (aquele que cuida, como os médicos e enfermeiros), investigator (investigador, que vai atrás e denuncia), communicator (quem divulga, comunica, espalha a notícia), builder (o que põe a mão na massa e constrói algo, como uma ONG).
Entendi então que sou uma comunicadora, e que o meu papel não é mais ou menos importante que os outros. É fundamental assim como os demais. E me senti um pouco melhor por ser como sou: introvertida, sim, sem precisar dar sorriso amarelo nem me justificar por isso.
Esse post acabou sendo menos “reclamão”, mas eu sou assim: só me incomodo com as coisas porque queria que elas fossem todas sensatas e inspiradoras como essa teoria da Susan Cain – e elas não são."

domingo, 22 de setembro de 2013

Um dia

Senti-me subitamente submerso quando ele se aproximou. Sol brilhando quente durante a pré-primavera, madeira rígida sob minhas costas, chumbo sobre meus ombros. Meu coração acelerando à espera de notícias amargas que já previra, enquanto olho no fundo dos seus belos olhos amendoados e observo em seu reflexo minhas tão óbvias incertezas. Como vento seco, sopraram efêmeros momentos eternos de hesitação, até que comecei a ouvir as piores notícias vindas dos seus doces lábios. A verdade é sempre amarga para aqueles que a temem. Lenta, mas definitivamente, meu corpo foi se desmilingüindo aos poucos até escorrer pela mesa. Você saiu, deixando flores de palhaço na poça do que restou de mim. Sem opção, atado por auréolas inversas, me recompus e comecei a escrever a única coisa que havia sobrado: mosaicos de lembranças roubadas, feitos de areia fina. Memórias agridoces de toalhas divididas e dias ensolarados, portas fechadas e horários de saída, celulares durante a madrugada, descobertas e sentimentos correspondidos, e alguns refrões feitos de suspiros. Lamentei pelo passado e culpei a lembrança, que tentou fugir do agora pra acontecer de novo e não conseguiu. Jamais quis perdê-lo, mas sabia que o perderia...
Perseguir um passado para o qual não se pode mais voltar... No final das contas, talvez seja esse o destino de nós, que nascemos com um coração.



Para quando você gostaria de poder voltar...?

sábado, 14 de setembro de 2013

(Des)Encaixe

Era meia noite e treze, e uma doce brisa de mar balançava as cortinas. O clima trazido era de ares frescos, toalha molhada no cabelo e travesseiro macio no rosto. Ventilador de teto girando fraco, música no gramofone, ruído de teclas batendo. Pés explorando os cantinhos geladinhos da cama. Café frio na caneca, levantei-me e arrastei os chinelos em direção à cozinha. Senti o frio descendo minha samba-canção e estacionando nos meus pés. Peguei uma garrafa d'água e fechei a porta do refrigerador com o pé. Cantarolava alguma coisa enquanto abria o armário atrás de um copo. Servi-me metade do copo, bebi só metade. Joguei o resto na pia. Servi-me de novo, dessa vez até a boca. Bebi um gole, joguei metade fora, enchi de novo. Esvaziei novamente, tornei a encher. A garrafa estava vazia. Enchi ela, fui encher o copo, lembrei que já estava cheio. Bebi da garrafa. Bebi do copo. Enchi o copo, joguei a água e o copo fora.
Lembrei que não estava com sede.

Reflexões da Madrugada pt.7

Você se sentiria melhor lembrando-se das coisas, ou esquecendo-as?

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Reflexões da Madrugada pt.6

Eu escrevo para oferecer consolo àqueles que se arriscam e enfrentar a criatura conhecida como si próprio.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Cada dia a mais é um a menos pro encontro acontecer.

domingo, 7 de julho de 2013

Family Jewels

-Você foi rápido
-Tempo suficiente pra eu me lembrar o quanto desgosto de reuniões familiares

Ninguém nunca me perguntou, mas eu vou falar assim mesmo. Essas pessoas são tão cheias de si mesmas, tão extravagantes e interessantes, com tantas soluções para os problemas do mundo, que elas se esquecem de escutar.  Elas já são bastante mais inclinadas a se debruçar infinitamente em seu próprio discurso do que eu, e ainda tem certeza absoluta do que falam, como eu poderia fazer qualquer coisa? É claro que eu acho tudo aquilo interessantíssimo. É claro que eles tem coisas importantes a dizer. Mais claro ainda que as reflexões feitas por eles não devem ser ignoradas, mas o que eu teria a falar? Em meio a tanto conhecimento e experiência de vida, qual a contribuição que um mero pseudo-adulto de 16 anos poderia dar à conversa daqueles seres tão iluminados? Por isso, ao ser perguntado, envio um dos meus olhares mais repletos de escárnio e desprezo e digo de uma vez, sem piscar, que tudo aquilo não me poderia parecer mais desinteressante. Se dissesse que gostava, ela iria me perguntar por que diabos eu não estava verbalizando nenhum pensamento, e eu então seria obrigado a responder, levando a uma conversa profunda, mas infrutífera e inadequada a respeito dos meus sentimentos. Mais rápido me fingir de babaca e poupar ambos de sofrimentos desnecessários.

Até poderia tentar me esclarecer, mas ninguém nunca me perguntou.

"Bem-vindo às jóias da família, só o que dividimos é um sobrenome. Típico de mim envergonhar a todos"

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Reflexões da Madrugada pt. 5

Gostaria de dizer que não faria isto por você, mas você sabe que não é verdade. Pois é este o tipo de tolo que sou.

Madrugada

Não fecho os olhos, e permaneço na escuridão à espera do sono que nunca vem. Observo estrelas antigas de sonhos passados despencarem do céu solitário em direção ao esquecimento. Vejo um córrego e repousando sobre ele, as esperanças boiando nas águas estagnadas, corpos ao léu deixados ao capricho dos ventos frios. O som das folhas das copas dos salgueiros se movendo mimetiza o de ondas se chocando contra a costa, enquanto nuvens negras se juntam e recobrem o luar pálido e prateado. Cerro meus olhos e espero pela chegada da luz ofuscante do raiar do dia. Que pensamento triste este que clama pelo nascer do sol. Fraco, rastejo para fora da cama e procuro o depósito cintilante de dores engarrafadas. Me sirvo de uma taça de luz estrelar líquida e lágrimas angelicais, ao som de Erik Satiè girando no toca-discos. Um brinde ao casal e ao fim de meus sonhos infantis. Sinto o gosto amargo de corações partidos deslizando pela minha garganta numa tentativa de apagar minhas lembranças do Ontem; só a solidão me conhece Hoje. Onde está a paz nestes sonhos inquietos? Incapaz de retornar à serenidade de pensamentos, preso entre a necessidade e desconfiança. Adentro as trevas amedrontadoras e sigo sem raízes em meio à noite, murmurando as mesmas velhas notas. As nuvens ameaçadoras a velejar pelo céu finalmente despencam em lágrimas sobre mim, num consolo ao meu lamento. Assim, continuo aqui, debaixo da chuva. Desde então rezando para que as gotas sagradas consigam afogar as chamas que ainda queimam por ela.

domingo, 16 de junho de 2013

Fui - sou não mais
adeus ao Morrissey,
ao Oscar Wilde,
e à minha mãe

Meu deus, que fez agora este rapaz?
Mais um caso de jovem que perdera a cabeça

segunda-feira, 3 de junho de 2013

XX

-Existe algo a mais que você precisa fazer. Mas você jamais conseguirá avançar antes de acertar as contas com seu passado.
-Acertar as contas!? Como assim? Achei que tivesse abandonado meu passado! Ele todo!
-Não há como abandonar o passado. Cada passo deforma o sapato em algum pequeno detalhe e, portanto, molda o passo seguinte, e assim sucessivamente. Seu passado está sempre sob seus pés. Não é possível fugir, se esconder ou se livrar dele, mas é possível chamá-lo de volta e fazer as pazes com ele. Você está disposto a isso?
Hesitava, mas sabia que o outro estava certo. Haviam certas memórias difíceis de serem revividas, memórias que causam vergonha, arrependimento ou raiva. Sabia que o acerto de contas jamais fora realmente feito, e era necessário para que pudesse seguir em frente. Subitamente, sentia o chão tremer e via brotar das rachaduras os antigos Eu, incluindo aqueles que não provocavam nenhum orgulho. Pela primeira vez, os encarava, e percebia que não eram nada a temer. Eles foram eu, há tempos, não mais. Conforme percebia isso, perdoava os antigos Eu pelos erros que cometeram anteriormente que causaram incômodo ou desconforto, e por sua vez, eles também perdoavam por não ter prestado atenção às lições que tinham a me oferecer. Chegado um entendimento entre Eus, eles começaram a subir pelos céus e desaparecer, permanecendo apenas como memórias e experiência, mas não mais contendo nenhum poder sobre o presente. O próximo passo era, agora, possível.

domingo, 2 de junho de 2013

Meh [9]

Capítulo 9: Realidade


Chacoalhar brusco. Ainda tonto e com a cabeça latejando por ter sido desperto tão abruptamente, percebi que a cama na qual estava deitado era empurrada por um longo corredor mal-iluminado. Lâmpadas velhas de brilho pálido eram as únicas fontes de luz, e já davam sinais de que provavelmente não durariam muito tempo. A frágil claridade não era suficiente para permitir que meus olhos enxergassem perfeitamente os arredores. Só conseguia distinguir a silhueta do médico que me acompanhava. Sentia-me diferente, porém. A velocidade com a qual ele me levava somada à atípica escuridão estavam me deixando incomodado. Também não ouvi os barulhos característicos de um ambiente hospitalar, e o médico não proferia uma palavra sequer. Fiquei perturbado. As trevas e o silêncio são ambientes prósperos para a aglomeração dos horrores que habitam tanto o mundo quanto a mente. Mas não deixei que tais pensamentos povoassem meu cérebro por muito tempo. Estava num hospital, afinal, e se não deveria me sentir seguro aqui, não me sentiria em lugar algum.
Ainda sim, havia algo errado. Os estranhos solavancos da cama me impediam de deslizar para a inconsciência. Além disso, surgira uma sensação não familiar em meu interior que me mantinha desperto. Era ela também a responsável por jogar adrenalina em minha corrente sanguínea e fazer meu coração bombear sangue ligeiramente mais depressa, colocando-me em um estado de alerta. Parecia-me como se fosse algum instinto de sobrevivência, me preparando para um combate iminente. Mas o perigo que essa sensação estava prevendo... seria ele imaginário...? Aproveitei a percepção aguçada provocada pela tensão para tentar ouvir ou ver alguma coisa. Qualquer coisa que provasse que a ameaça estava apenas em minha cabeça. Mantive os olhos fechados para não denunciar minha consciência, mas o que ouvi não me deixou mais calmo. Ruídos estridentes de metal se arrastando contra metal, somados a barulhos de correntes e portas batendo. Ventiladores enormes girando lentamente, e outros estrondos altos. Até que o som horrendo de um grito terrível e agonizante ecoou por todo o hospital até vibrar nos meus tímpanos e gelar a minha espinha, como o último sopro oriundo das entranhas dos que estão para morrer. A angústia parasita em meu interior foi se alastrando depressa, se infiltrando e enraizando como uma doença virulenta, se alimentando do meu desespero. Tentei me mover, mas meus braços e pernas estavam dormentes e pareciam pesar toneladas. Abri meus olhos, mas instantaneamente desejei não tê-lo feito. A visão mais nítida me permitiu enxergar a imundície do teto e das paredes, que demonstravam sinais pesados de descuido e abandono. As lâmpadas eram ainda mais velhas do que pensei, e suas luzes tremeluzentes, prestes a se extinguir, davam ao ambiente um aspecto ainda mais ameaçador. Enquanto o médico me empurrava, passávamos por inúmeras fileiras de portas de metal de aparência velha e ferruginosa, e através de uma pequena abertura no metal, pude distinguir os médicos cometendo os mais vis e desumanos atos contra os internos. Sufocamentos, fogueiras humanas, desmembramentos e outras torturas inimagináveis passavam diante de meus olhos. Tentei gritar, mas a língua não se movia ao meu comando, e não fui capaz de emitir nenhum mísero som. Macas e camas manchadas de sangue se espalhavam pelo corredor, acompanhados por embrulhos estranhos, alguns se movendo freneticamente, tentando desesperadamente se libertar. Senti-me extremamente enojado e mal pude conter a forte ânsia de vômito. O ar em meus pulmões esvaziara por completo, e meu coração batia violento e descontrolado, tentando bombear oxigênio para minhas células. Minha boca e garganta estavam ressequidas e causavam-me dor ao engolir saliva, enquanto o suor escorria encharcando minhas roupas e cama. Todo o corredor parecia corrompido por sujeira, sangue e ferrugem, mas não era só isso. Era como se a própria realidade houvesse sido contaminada.
Subitamente, o médico que me empurrava parou, virou-se e começou a andar para longe. Ouvi seus sapatos se chocarem contra o chão gradeado por um tempo, até o eco ser engolido completamente pela escuridão. À deriva naquele ambiente hostil e macabro, não soube dizer se meu terror havia crescido ou apaziguado. Senti, porém, uma presença nefasta se aproximando cada vez mais de mim, muito mais ameaçadora do que qualquer médico. A mesma presença que senti me espreitando das sombras e me mantendo desperto minutos atrás. Sabia que tinha de me mover. Depressa. O torpor e a inércia eram agora vencidos pelo medo e pela adrenalina, que me impulsionavam a fugir. Em um surto de força, levantei-me da cama e me pus a correr. Cada passo feria meus pés, que sangravam em contato com a grade de metal do chão, enquanto vapor quente vindo de tubos no teto aumentava ainda mais o calor. Parecia um pesadelo terrível, em que se corre desesperadamente sem conseguir sair do lugar. Mas não podia parar de correr. A presença... estava perto demais. Vi ao final do corredor uma porta e, numa mistura de pânico e determinação, fui em sua direção o mais rápido que pude. Era minha escapatória. A cabeça latejava e as pernas mal sustentavam meu corpo, mas cheguei, triunfante, ao meu destino. No momento em que a abri, porém, fui atacado por um ruído que pareceu perfurar meu crânio e me incapacitou completamente. Conforme desfalecia e perdia a consciência, só consegui pensar que o ruído se assemelhava muito a uma buzina de carro...

Abri os olhos. Olhei ao redor, aflito, procurando sinais de que a realidade havia revertido ao normal. O quarto estava exatamente do jeito que estivera durante os últimos dias, exceto por um único detalhe. Havia um vaso de flores na cabeceira ao lado da cama. Intrigado por sua origem, perguntei à enfermeira prestes e sair do quarto quem o havia deixado.
-As flores? Foi uma garota bonita quem deixou. Passou aqui mais cedo, mas você estava dormindo.
-Uma garota? Ela disse seu nome, por acaso?
Parou por alguns instantes, pensativa, e respondeu
-Acho que sim, mas não consigo me lembrar. Disse que passaria aqui outro dia.
Agradeci, e ela saiu.
Uma...garota?

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Eco

Engolindo em seco, mordendo os lábios. Passando a mão pelos cabelos e estalando nervosamente os dedos. Perceptivelmente tenso. Tique-taque do relógio. Ela também não parecia muito bem. Cigarro entre os dedos, cabelo bagunçado, dedos apoiados acima do nariz e entre os olhos. Mas ainda sim, melhor que eu. Queria controlar melhor minha linguagem corporal. Impedir a voz de ficar trêmula, as mãos de tremerem. Mas estava quase tão difícil pra ela quanto pra mim.
-Eu queria mesmo era morrer.
-Você fala essas coisas assim, meio brincando, mas dá pra ver que tem uma dor de verdade aí...
-Quem está brincando?
...
-Mas as coisas têm valor, elas significam algo.
-Valor e significado são conceitos absolutamente abstratos e subjetivos. Dinheiro, por exemplo, para mim não possui valor algum.
-Dinheiro é uma forma de representar o valor de algo.
-E quem foi que disse que o dinheiro vale por alguma coisa? Quem foi que incumbiu ao dinheiro a tarefa de mediador de valores? Ele vale porque alguém diz que vale, mas quem? Não sei. Sei que não fui eu.
-Mas o que você está querendo dizer com isso?
-Que as minhas noções de valores diferem muito das de quem está ao meu redor
-Inverdade, algumas coisas são guardadas por você tão queridas quanto por outros. Você não se identifica com esses conceitos materialistas de valor do dinheiro...
-E dinheiro não é o valor máximo da nossa sociedade? Do mundo em que vivemos?
-Mas certamente há outras coisas, coisas em comum
-Família, por exemplo, para mim não possui significado...

Talvez minhas palavras a estivessem cortando fundo, ainda que sem intenção, e por isso achei que deveria pedir desculpas. 

-...eu gosto de vocês pelo que são, independente de serem familiares ou não.
-É... isso foi uma escolha da nossa família, ser atada por laços maiores que os de sangue, e não tornar essa convivência familiar algo obrigatório. Possibilita uma maior liberdade.
-Liberdade não é sinônimo de felicidade. E certamente você há de concordar que muita gente discordaria, e discorda, dessa nossa escolha.
-Então o que essa não identificação com os valores alheios gera em você?
-Angústia. Sinto que não faço parte realmente de nada. Como se estivesse à margem do mundo.
-Mas então você precisa encontrar os seus iguais!
-Não há outros iguais a mim.
-Não seja dessa forma, é porque você é meio além do seu tempo, faz reflexões que as pessoas da sua idade não fazem.
-Eu já convivo com gente mais velha o tempo todo na escola, em cursos e em outros lugares, e mesmo com elas eu não consigo me fazer entender. Ser entendido. Minhas palavras não encontram eco nos ouvidos de outrem. Os iguais a mim ou enlouqueceram, ou se mataram. A existência é... pesada demais para nós.

A sintonia era grande. Dava pra perceber que minha dor, por tão clara e visível, a estava afetando, e seu coração compartilhava meu sentimento. Por algum tempo, perguntou-me sobre pessoas que julgava talvez serem capazes de me compreender, e provei cada uma ser incapaz tão rápido quanto seu nome surgia. Em algum ponto do diálogo, me ofereceu fazer terapia.

-Eu não preciso de terapeuta, preciso de um amigo.

E eu, por mim mesmo, percebia o que estava fazendo a ela, e sofria por isso. A pior parte era essa. Sentia que ela desejava profundamente me ajudar, mas não encontrava meios para isso. 

-Mas terapia pode te ajudar a conhecer mais sobre si mesmo, a lidar melhor com suas dores e, por consequência, a fazer conexões.
-Não pode. Não preciso de idiotas me dizendo sobre mim mesmo. Não há perspectiva de cura ou de futuro melhor.
-É o que estou dizendo, você diz isso porque está passando por uma fase péssima da vida!
-A vida inteira é péssima. É a angústia de correr buscando um significado maior que jamais é encontrado.
...
Vai melhorar, ela disse.
-Obrigado, mas deixei de acreditar nisso depois da quarta ou quinta vez.
...
Nossos corações ressoavam, ouvindo o eco da voz um do outro. Era uma voz triste e silenciosa.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

"-Uma jornada de mil quilômetros começa com um único passo!
 -Um único passo pra fora da ponte acabaria de vez com a -minha- jornada"

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Dificilmente coração e pensamento estão de acordo, na minha experiência.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Como Comentar nos Textos do Blog

Já ia reclamar com o mundo que havia textos meus sem nenhuma visualização, até que notei que não os havia postado ainda rê.

Vou aproveitar esse post inútil pra fazer um tutorial de "Como comentar nos textos do blog", já que ainda possuo uma ínfima esperança em meu ser de que não há comentários porque os leitores não sabem como fazê-lo.

Passo nº1: Leia e goste de um texto.
É sério, é simples assim. Leia algum texto e, se gostar, passou do primeiro passo.

Passo nº2: A sensação que o texto te passou é importante, e eu gostaria de saber qual foi.
Os comentários seriam muito mais abundantes se mais pessoas achassem que os pensamentos delas valem a pena serem compartilhados. É claro, tem alguns textos que são auto-explicativos, mas eu sinto um pouco de falta de comentários, por exemplo, em Meh's e em outras histórias. Se houver algum tipo de retorno por parte de vocês em relação aos textos, certamente me inspirará a fazer textos melhores. E fazer Meh's mais depressa.

Passo nº3: Depois de decidir o que vai comentar, é necessário fazer login com uma conta do google ou alguma outra.
O blogger é meio fresco, então ele não permite comentários de pessoas que não tem contas em alguma destas: Google, Wordpress, Live Journal, AIM, TypePad e OpenID. Eu assumo que a maior parte tem pelo menos uma conta no Google, então é só selecionar aqui:

a opção Conta do Google, e fazer login com ela

Passo nº4: É possível que seja preciso voltar à tela do comentário no texto após fazer o login.
É só encontrar novamente a postagem na qual queriam fazer o comentário usando a minha ferramenta de pesquisa (que tenho certeza que ninguém sabia que eu tinha).
Passo nº5: Escrever o comentário e clicar em publicar. 
Depois disso, é só escrever no espaço em branco a(s) palavra(s) que vão aparecer a seguir, e pronto! Seu comentário foi publicado! Palmas pra você!


quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Meh


Aí vai uma compilação de todos os Meh's já produzidos, no objetivo de preparar os senhores para o Meh 9. Tenham uma boa tarde.

Capítulo 1: Memórias

Por toda parte. Escuro, viscoso, quase cor de vinho, escorrendo lentamente pela rua asfaltada até entrar num bueiro e desaparecer. Os gritos. As pessoas correndo. O motorista desesperado, saindo do carro com as mãos na cabeça e gritando. Ela apareceu do nada. Não deu tempo, ele dizia, numa tentativa de convencer a si mesmo do que havia acontecido. As nuvens negras que pairavam sobre a cidade o dia inteiro finalmente desabaram em prantos, em uma espécie de consolo à dor dos que observavam, horrorizados, o corpo estirado no chão como uma boneca de pano em farrapos. Ainda assim, a chuva era incapaz de lavar a substância pegajosa, presa à rua como cola. Como se ela desejasse continuar ali. Como se desejasse manter tudo ali, da forma como havia ocorrido. Tudo que era incapaz de ser esquecido. Incapaz de ser superado. Ainda era possível sentir o cheiro de perfume que ela exalava por onde passava. Ainda era possível vê-la sorrindo e soprando beijos. Ainda era possível ver o carro que vinha rápido. Rápido demais. Julia...
                -Olá!
                -Hãn? Eu olhei pra cima e respondi, como se acordando de um sonho.
                -Eu disse olá! Você é novo por aqui, não é? Disse a ressonante voz feminina, tirando-me de meus pensamentos. A garota usava havaianas brancas. Uma tornozeleira com a figura de uma baleia estava amarrada em seu devido lugar. Um short branco e uma leve camisa amarela com mangas era o que ela vestia. Sorria de orelha a orelha, e seus olhos amendoados olhavam animados e curiosos, como quem admira um brinquedo novo. Sua franja e seu longo rabo-de-cavalo castanho claro escapavam por debaixo do boné.
                -S-sim, é meu primeiro ano.
                -É, dá pra perceber. Mas você sabe que não vai conseguir fazer muitos amigos se ficar deitado num banco olhando pro céu, né?
                -Desculpe...
                -Ei, relaxa, não precisa ficar triste. E sabe por quê? Porque eu vou ser sua primeira amiga aqui! Meu nome é Maria, e você é o...?
                -Tiago.
                -Então, Tiago, sobre o que você tanto pensava enquanto olhava pro céu?
                -Ah, nada de mais. Só me lembrando de uma história antiga...

Capítulo 2: O Coelho Branco

O sol já estava se pondo quando saí. Centenas de adolescentes iam de encontro aos pais que os esperavam com a porta do carro já aberta. Alguns outros se reuniam e iam a pé. Era um dos poucos que caminhava sozinho. Mas pouco importava. Ficar sozinho já não era mais um problema. Peguei o caminho em direção à praia. A distância era um tanto mais longa, mas a jornada um tanto mais prazerosa. Andando pela rua, observava o contraste entre as paisagens. À direita, um labirinto de prédios erguia-se em direção ao infinito, manchados pela cor triste do cinza monótono. Gente era vista nas janelas. Gente alheia à qualquer um dos significados reais de qualquer coisa. Gente com o rosto transbordando de ignorância e superficialidade. Simplesmente Gente. Daquelas que vemos todos os dias na rua passando pela nossa frente. É Gente. Não chegam nem perto de serem pessoas.
À esquerda, a praia. O sol se punha atrás do mar, tingindo o céu ao redor de vermelho. A água, calma e sem ondas, dedicava-se unicamente à refletir a luz do sol, duplicando sua beleza. Na areia, alguns poucos ainda se davam conta da verdadeira maravilha que é um pôr-do-sol, enquanto outros iam embora sem olhar para trás. A brisa do mar balançava calmamente as copas dos coqueiros, que lançavam suas sombras em meio à calçada. O caminho era tranquilo. Até que num súbito olhar, tão rápida quanto um lance de vista, ela passou pela minha frente. Um choque percorreu todo o meu corpo em uma fração de segundo. Congelei. Nada pude fazer enquanto ela andava com passos leves e rápidos diante de mim, até dobrar a esquina. Não podia ser... Julia?
Despertando de repente, comecei a correr em sua direção o mais rápido que pude, e virei na mesma rua. Onde estaria? Olhei para os lados, aflito, com o coração disparando. Não podia perdê-la de vista. Foi quando, de longe, a vi novamente. Ela seguia reto pela longa rua descuidada, onde latas de lixo se encontravam caídas na frente dos prédios. Não havia tempo a perder. Em um surto de frenesi, comecei a correr, e senti meus sentidos lentamente abandonarem-me um por um. Não sei exatamente por quanto tempo corri. A cada passo que dava, parecia-me que o caminho se distorcia e extendia como se tentando ficar mais longo. Só sei que quando parei, num estalo, estava logo atrás dela. No entanto, o universo parecia  ter mudado completamente ao meu redor. Já estava de noite, e a rua estava agora deserta. A escuridão parecia comprimir o meu corpo em todas as direções, provocando uma sensação claustrofóbica. Uma ligeira falta de ar. O frio, até então despercebido por conta da correria, começava a dar sinais de presença, gelando meu nariz e fazendo fumaça sair de minha boca ofegante à cada respiração. Ela ainda se encontrava à minha frente, andando, calma e alheia a tudo. No momento em que dei o primeiro passo, no entanto, me bateu, como um turbilhão repentino em um mar sem ondas. O que estou fazendo aqui? Perseguindo pela rua uma garota há muito tempo morta? E mesmo que por uma brincadeira de mau gosto do destino estivesse  viva, de que adiantaria? O que faria? O que diria? Ela se lembraria? Diria que estava bem? Que sentia saudades, mas que havia fingido a própria morte? Mas... E se não for ela? Teria corrido durante horas à toa? Teria tido um falso lampejo de esperança, agora prestes a ser esmagado como um inseto? Como se nunca houvesse existido? Como se fosse poeira a ser levada pelo vento? ...É inútil. E depois de instantes inacabáveis estando ali, parado, virei-me de costas e comecei a andar. Não poderia haver mais nada pra mim ali.

Capítulo 3:(Des)Concerto

-Julia?
Foi quando ela se virou, e finalmente pude observá-la. Seus lábios eram vermelhos como uma maçã. Seus cabelos, lisos e cor de ébano, tinham as pontas pintadas de loiro e escorriam até os ombros. No seu pescoço, um colar com um detalhado pingente de borboleta. Usava um colete aberto com três botões dourados do lado esquerdo. Por baixo do colete, uma blusa branca de manga. Simples, e sem estampas. Um short jeans pelo qual atravessava um cinto deixava à mostra suas coxas bonitas. Um par de botas pretas de cano alto com curtos saltos grossos cobriam suas pernas e a deixavam da mesma altura que eu. No entanto, o que mais chamava a atenção eram seus olhos claros. Prateados, de tão claros. Afiados. Penetrantes. Encará-los transmitia uma sensação esquisita. Era sentir como se numa pontada de gelo tivessem atravessado pela minha cabeça e estivessem tateando por toda parte dentro do meu crânio. A pupila quase que pulsava no meio da imensidão prateada. Como se palpitasse. Como se estivesse viva.
-Não... você não é... Constatei, obviamente transtornado.
-Eu pareço com a sua namorada? Respondeu a garota, rindo sarcasticamente e me observando de cima a baixo.
-Ex-namorada...
-Não me diga. O que houve, bonitão? Não se comportou?
-Não foi isso. Houve um acidente...
Incapaz de continuar a observar aquele rosto e tentando conter a dor que ameaçava crescer em meu peito, desviei o olhar.
-Mas é impressionante - disse eu, me animando novamente. - Você poderia ser a gêmea dela! O seu rosto, a sua voz... Só o seu cabelo e os seus olhos são diferentes! Enquanto eu falava, ela meramente se encostou na parede de um prédio e dedicou-se a observar as longas unhas pintadas de vermelho-vivo.
-O meu nome - disse ela, virando novamente na minha direção - é Juliana. Eu não pareço algum tipo de... fantasma, pareço? Eu sou de verdade. Se tem dúvidas, veja se sua mão atravessa o meu corpo... Dizendo isso, com as duas mãos colocou a minha em seu colo. Fechei os olhos, num sentimento de medo e de esperança. Sob minha palma, senti claramente uma superfície quente.
-V-você realmente não é a Julia... Ainda fui capaz de dizer, enquanto tirava a mão rapidamente.
-Eu já disse, - ela continou, inalterada pela minha reação brusca, - meu nome é Juliana. Mas... -ela demorou-se na fala, e começou a andar ao meu redor lentamente. Cada gesto, cada passo que dava era leve, devagar, etéreo, como se flutuasse logo acima do chão.
-Eu pareço com a Julia, não é? Você a amava... não é? Ou... -nesse momento, parada diante de mim, ela colocou sua mão em meu ombro e aproximou-se de meu pescoço, fazendo-me ter um arrepio. Com a minha mente em erupção, não pude me mover. Ela então sussurrou em meu ouvido, quase que imperceptivelmente. - Talvez você a odiasse...
-Não seja ridícula! Falei severamente, desvencilhando-me dela e olhando em seus olhos.
-Não fique com raiva, eu estava só brincando, hehe...
-Tsc. Esqueça...
-O que isso quer dizer? - Perguntou, como se eu a houvesse ofendido de maneira irreparável. - Veio falar comigo só porque eu pareço com a sua ex namorada? Agora vai simplesmente esquecer que me viu, só porque eu não estou morta!? Sua voz havia se alterado para o que parecia ser uma mistura de angústia e raiva.
-...O que você propõe?
-Pôr-do-sol na praia, bonitão. Quando quiser me ver, é só aparecer lá. - Como que por manha de criança, sua voz havia voltado ao normal.
-Então tudo bem... E nos despedimos. Fiquei observando enquanto ela andava pela rua cada vez mais distante, até desaparecer noite adentro.

Capítulo 4: Portas trancadas

A chave desanimada rodava lentamente na fechadura da grande porta de madeira, antes de ser guardada novamente no bolso do jeans junto do chaveiro de Cancun. Andava vagarosamente pelo corredor escuro, tateando à procura de algo que me guiasse os passos. Após esbarrar no interruptor, todas as luzes da enorme sala se acenderam, numa saudação à minha chegada. O som dos passos pesados e arrastados batendo contra a madeira polida ecoava pela grande mansão, antes de serem substituidos por sons mais baixos, como os de quem anda por cima de um tapete de seda. Recebendo-me, uma enorme escada enfeitada por uma passadeira de veludo negro seguia em direção aos andares superiores. Ignorei-a e entrei por uma das inúmeras portas que se projetavam naquela sala, todas entalhadas no mesmo padrão monótono.
Encontrei as luzes já acesas e a grande mesa de jantar já posta. Era um móvel luxuoso e ocupava uma grande parte da sala. Sentei-me à cabeceira numa cadeira majestosa, onde o assento era também de veludo negro. Fileira após fileira de castiçais de bronze estendiam-se de uma ponta à outra da mesa em intervalos calculadamente iguais. Bandejas após bandejas de prata onde depositavam-se os mais variados pratos ocupavam grande parte do espaço disponível na toalha branca. Talheres, tigelas, xícaras e bules de porcelana dividiam a atenção com a multidão de garrafas de bebidas importadas de marcas das quais nunca sequer ouvira falar. Reluzentes taças de cristal refletiam a luz do esplêndido lustre no teto. Diretamente à minha frente e atrás da cadeira da cabeceira oposta, mais dois castiçais descansavam na prateleira acima do buraco da lareira. No meio deles, um quadro chamava novamente a minha atenção, embora já o tivesse visto inúmeras vezes no passado. Apenas se representavam a cabeça e os ombros das duas figuras que se distinguiam do fundo preto. Um homem velho encarava por detrás de óculos de meia-lua com um olhar severo e impassível. O tempo não havia tido piedade com seu rosto. Usava um terno de tom escuro. Sua mão esquerda por onde corriam saltadas veias azuis estava apoiada no ombro de uma mulher. Ela usava um longo vestido preto e um colar de pérolas que dava muitas voltas ao redor de seu colo e pescoço. Seus longos e ondulados cabelos ruivos escorriam até os seios. Seu semblante era apático e inexpressivo. Os olhos heterocromáticos verde-esmeralda e azul piscina não transpareciam qualquer sombra de emoção. A moldura oval era dourada e ricamente adornada. Desviei o olhar para a comida em meu prato e fitei-a durante alguns instantes, antes de dar um longo suspiro e começar a comer. O único som que permanecia era o tique-taque do relógio de pêndulo, repetido e ritmado. Incessante. Terminei o jantar e levantei-me. Observei por alguns momentos os dois outros pratos que ainda encontravam-se na mesa, intactos como os haviam posto. Suspirei novamente, e saí pela porta que entrei.
Subi pela escada e entrei pelas portas duplas logo em frente. As luzes acenderam-se sozinhas. A decoração era rica, porém vetusta. Nas paredes estavam pendurados diversos troféus, misturados com quadros de estilo gótico e sombrio. A cama era ocupada por um mar de almofadas e travesseiros diferentes, combinando com a colcha vermelho-vinho. Uma enorme janela por onde era possível se ver a entrada da mansão estava tapada por longas cortinas de veludo. Caminhei pelo carpete cinza até o banheiro. Os tênis, as meias, a camisa, o casaco e o jeans agora se amontoavam no chão de pedra frio. Parei um instante e me aproximei para observar melhor a estranha figura que olhava em minha direção. Era um garoto de uns 15 anos de idade. A franja loira e arrepiada escondia um pedaço da testa e virava levemente para a direita, acompanhando todo o cabelo, antes de chegar aos olhos verdes. Olhos que pareciam alheios à própria beleza da mesma forma que evitavam contato com os outros. Ombros largos e um corpo magro não muito forte. Tiago, murmurei, antes de suspirar novamente. Desviei o rosto do espelho, e encarei o objeto responsável por proporcionar horas de indecisão durante todas as noites nos últimos meses. Era como se minutos de prazer estonteante pudessem ser proporcionados por um único movimento. A visão sedutora e atrativa do objeto hipnotizava e impossibilitava a organização dos pensamentos, e eles entupiam a cabeça até não aguentar mais. Céu, quadro, vento, nuvem, sol, chuva praia carro rua ônibus motoristabueirosinalunhasvermelhosangueprateadordiochiadocosufocalorprédiofogoexplosão. Balancei a cabeça rapidamente, me livrando de um devaneio. Apaguei as luzes e caminhei até a cama, abandonando a lâmina em cima da pia.

Capítulo 5: Estrada pra lugar nenhum

Outro passo. Outro dia. Mais uma desconsiderada página era virada no velho livro que caía aos pedaços. Só um dedo ferido e sangrando de tanto bater na mesma tecla, esperando que algum dia ela funcionasse. Esperando que alguém ouvisse. Outro passo. Outro dia. Só a sombra de uma cadeira, se deslocando de um lado para o outro repetidamente, sem ser movida. Só se moveria no dia que fosse desmontada e destruída, eles diziam. Outro passo. Outro dia. No qual já não era possível sentir o calor do fogo. No qual todas aquelas comidas refinadas tinham todas o mesmo gosto vazio de nada. No qual todos aqueles cortes auto-inflingidos não provocavam qualquer sensação de dor ou remorso. Dias nos quais estar sob o sol ou sob o gelo não fazia diferença. Dias nos quais o sofrimento alheio não mais comovia. Onde o tédio já não surpreendia. Onde ficar só na vontade já não doía. Onde era só mais um porco num chiqueiro, comendo e dormindo, esperando o dia em que finalmente seria sacrificado. Nem mesmo promessas ainda atraíam. Só uma longa estrada de terra, rachada pela alarmante ausência de água, seguia indefinidamente além do horizonte, sem sinais de haver um dia existido vida ali. Sem toca para oferecer refúgio, sem lago para oferecer alívio. Sem árvore para oferecer abrigo. Só o dia, a estrada, eu, e o abismo. Aquele que se fez presente desde o início da caminhada, cuja profundidade debochava de mim. Outro passo, onde os pés descalços se feriam e sangravam na briga com o barro e com as pedras pontiagudas do chão. Outro dia, onde era só mais um dia, comandado pela inércia do estado de espírito. Comandado pela falta de comando. Outro dia onde só havia o dia, eu, a estrada, e o abismo. Dias onde não havia dia. Outro dia onde só havia eu, a estrada, e o abismo. Dias onde não haviam caminhos. Outro dia onde só havia eu, e o abismo. Outro dia onde só havia eu, e o abismo. Eu, e o abismo. Eu, e o abismo. Eu, e o abismo.
O abismo...
Fim

- Er, isso ficou muito... profundo, Tiago. Mas a proposta era uma redação sobre o seu cotidiano!
- ...Desculpe


Capítulo 6: O castelo de cartas

...Por quê isso?

Mais uma vez, o sinal estridente havia tocado, anunciando o término das aulas. Arrumei calmamente meu material enquanto a multidão irritante de pessoas saía esbaforada pela porta da sala de aula. Levantei-me, e me dirigi à saída. Fiz um caminho diferente. Entrei na rua pela direita e segui, passando direto pela rua que ia em direção à praia e evitando-a. Andava pela calçada no ritmo de sempre. O ritmo de um ser humano que agora feito morto, vivia. Um ser humano cansado da luta insana, sem glória, a que todos se entregavam todos os dias para amanhecer cada vez mais pobres. Ia absorto em meus pensamentos, observando a paisagem ao meu redor. Andava com as mãos no bolso e a cabeça abaixada. O vento batia frio, balançando as folhas das copas das árvores que enfeitavam aquela rua, fazendo um som de ondas batendo contra uma costa. As nuvens cinzentas cobriam lenta e silenciosamente cada recanto do céu, anunciando a chuva que os jornais da manhã haviam previsto. Por algum motivo, aquela paisagem fria e mórbida provocava-me uma espécie de sensação de pertencimento, por mais estranho que isso parecesse. Como se ao mesmo tempo em que era cruel e rígida, era também um dos únicos lugares em que poderia mergulhar em minha mente sem ser incomodado. Foi quando de súbito, tão rápido quanto um choque passando pelo meu corpo, tomei consciência da minha própria situação desesperadora. Havia um bar na calçada na qual estava andando e, nele, a causa de minha aflição. Pessoas que reconheci de minha sala de aula estavam sentados em uma mesa próxima à saída. Em especial, notei um garoto que havia tentado "conversar" comigo anteriormente. Ele era terrivelmente inconveniente, mas já era tarde para mudar de calçada. Por um instante, amaldiçoeei o máximo que pude minha capacidade de me desligar do mundo ao meu redor. Por outro, desejei com todas as forças que ninguém me reconhecesse. Desejei como talvez só tivesse desejado -uma- outra coisa em minha vida. Obviamente, não era pra ser.
-Ei!
O garoto se levantava da mesa e corria em minha direção.
-Ei! E aí, cara?
-...Olá
-Escuta, Tiago. É Tiago, não é? Escuta, você não quer sentar com a gente?
Dei uma rápida olhada na mesa para a qual ele apontava e respondi, quase que instantâneamente.
-Er...Não, obrigado.
Visivelmente decepcionado, o garoto murmurou algo antes de caminhar de volta para seu barulhento grupo de amigos. Que baboseira, pensei, enquanto voltava-me à direção na qual estava andando, agradecido por essa situação ter terminado sem maiores problemas. Porém, por algum motivo ou impulso violento vindo de algum lugar desconhecido de meu interior, olhei para trás. E os vi.
Estavam todos rindo e se divertindo, brindando a algo não-identificável. Observei se formarem os sorrisos dessas pessoas que via todos os dias, embora não soubesse absolutamente nada sobre elas. Quem seria eu, então, para julgá-las de desinteressantes? A cena agora passava diante de meus olhos como em câmera lenta. Estava aqui, fora dessa baboseira toda. E a única coisa em que fui capaz de pensar foi em como essa baboseira deve ser tão aconchegante e acolhedora... Experimentei então uma sensação de profundo pesar, que veio misturada à lembranças agridoces de tempos um dia melhores. Não há infelicidade maior do que relembrar, sozinho, a época em que juntos fomos felizes. Pensei então em o que havia se tornado minha vida, um eterno acúmulo de idas, partidas e ausências. Mas o que, afinal, eu poderia fazer por mim? Estava exausto de abraçar o vazio. Escravo do desespero, da falta de esperança, da impossibilidade de travar novas lutas, de inventar uma outra e nova vida. Por vezes havia tentado, e nesses momentos, enchia-me de idéias e de bons propósitos. Mas quando me dava por mim, me via quieto, sentado em meu canto, olhando o tempo passar. Será que isso era mesmo vida? Será que só isso bastava? O que acontecera com todos aqueles sonhos, tão certos de uma vida melhor? Havia tecido uma rede deles, e agora via um por um dos fios desmanchar e destecer, até tudo se tornar um grande vazio. O vazio que restou de quem um dia foi feliz. Acho que, no final das contas, minha existência se resume a isso. Pensamentos e lembranças da época em que vivia. É tudo que eu sempre tive...
Foi quando me ocorreu.
-A praia!
Não contive o grito e saí disparado. Corria freneticamente como uma máquina. O vento gélido se chocava contra meu rosto e meu nariz, e suor pingava de meu corpo a cada minuto que corria. Minha respiração estava ofegante e me faltava ar nos pulmões. Tive a impressão de que teria um ataque do coração, tamanha a velocidade com que ele batia. Uma leve sensação de déjà vu passou pela minha mente, mas foi embora tão depressa quanto chegou. Meus pés pareciam não tocar realmente no chão, e a cada passo que dava, meu medo de me desequilibrar ou tropeçar tornava-se mais aterrorizante. Me deslocava desconsiderando qualquer obstáculo em minha frente e empurrando todos ao meu redor. Minha velocidade aumentava perigosamente, e eu não tinha mais certeza se seria capaz de parar, quando de repente, ouvi uma voz feminina berrar desesperada.
-CUIDADO!
Olhei para o lado e só o que consegui ver foram duas luzes brancas vindo desenfreadas em minha direção.
Escuridão...


Capítulo 7: Paraíso sombrio

Sentia-me flutuando. Minha cabeça se encontrava apoiada em algo macio e confortável. Um familiar e sutil perfume feminino de cheiro extremamente agradável pairava no ar. Eu conhecia esse cheiro, assim como essa sensação de bem-estar. Só poderia ser causada por uma pessoa.
-Ah... Julia?
Pensei por alguns instantes em abrir os olhos, mas notei que me demandaria um esforço que não me parecia necessário naquele momento. Sentia-me diferente por algum motivo. Mais leve, livre das preocupações. Livre das dores. Pela primeira vez em muito tempo, me sentia genuinamente... bem. Será que eu... morri? É isto, então. Morto por um motivo qualquer numa rua qualquer. Morto antes de minha vida ter sequer começado. Morto antes que meu coração pudesse um dia conhecer a tranquilidade. No entanto...
Ainda sim, havia algo esquisito. Algo ainda doía. Uma dor estranha e latente persistia, e parecia me arrastar com força para algum lugar estranho e assustador. Era uma dor... na minha coluna? Mas se minha coluna doía, isso quer dizer que eu...

Percebi-me deitado em algo duro, e minha coluna doía extraordinariamente. Tive a impressão de que algo pesado havia passado por cima de mim e quebrado todos os meus ossos. Quando, enfim, abri os olhos, me deparei com duas esferas prateadas que me observavam minuciosamente.
-Não é a Julia, seu bobo. É a Juliana...

Eu... ainda estou vivo...

Notei então que estava deitado em uma cama, e ela, sentada em um pequeno sofá ao lado. Tentei me levantar, mas uma pontada de dor fez com que eu cessasse meu movimento, mordendo os lábios e fechando os olhos com força.
-Vai com calma, Tiago. Afinal, você acaba de ser atropelado... Disse ela, dando uma leve risada sarcástica
-A-Atropelado, você diz? Perguntei, atônito.
-Foi o que eu disse. -com um movimento da mão, ela jogou seus longos cabelos negros para trás- Pelo visto, você saiu correndo para atravessar a rua e não conseguiu ver que um carro enorme vinha na sua direção...
Olhei ao redor e percebi que me encontrava em um quarto de hospital. Estava um pouco escuro, mas pelo que consegui enxergar, as paredes e o teto eram pintados de branco, assim como uma porta que dava para um banheiro. O pequeno sofá onde ela havia se sentado era de um tom de azul desbotado, e um armário simples ocupava uma parte de uma das paredes. Presumi que era ali onde haviam guardado minhas roupas. Achei o quarto terrivelmente frio, e notei que fumaça saía de minha boca. Olhei para a janela e vi que estava aberta, exibindo a noite sombria que,  enquanto eu dormia, havia deposto a claridade. Pedi gentilmente que minha companhia fechasse a janela, visto que estava vestido apenas com uma camisola e o frio já estava me fazendo perder a sensibilidade nas extremidades do corpo. Dando de ombros como se o frio não a incomodasse, ela se levantou e caminhou devagar e despreocupada em direção à janela, fazendo ecoar pela sala o barulho de suas botas de salto alto batendo contra o chão.  Quando ela voltou ao seu lugar, pude ouvir a crescente sinfonia que os pingos de chuva começavam a fazer ao se chocar na janela de vidro. Ela prosseguiu:
-Eu estava andando pela rua da praia quando vi uma multidão reunida e resolvi perguntar a alguém o que houve. Me disseram que tinha sido um atropelamento, e quando me aproximei, vi que era você quem estava ali, estirado no chão. Quando a ambulância chegou, eu disse que era sua namorada e que estava muito preocupada com você, e me deixaram vir junto...
-Minha namorada!? Por que você disse isso? Perguntei, interrompendo-a revoltado, enquanto me levantava desajeitadamente da cama. Ofendida, ela levantou-se também e respondeu:
-Ora, como você pretendia que eu me apresentasse? Eu teria tido problemas pra entrar aqui se fosse de outra forma! Além do mais, ninguém teria vindo te acompanhar se eu não o tivesse feito. Você teria acordado aqui sozinho, sem ninguém pra te fazer companhia, como acontece todos os dias! É isso mesmo que você queria, Tiago? Não tem noção do favor que eu te fiz!?
A sua voz havia mudado, como naquela outra vez. E novamente estava me provocando arrepios. Aturdido pela reação dela, gaguejei:
-...M-Mas você não é minha namorada!
-Ah é, tem razão. Perdão por isso. Sua namorada está morta.
Dizendo isso, me encarou desafiadoramente com seus afiados e penetrantes olhos prateados, de modo que não pude deixar de reparar. Por deus, o rosto delas é idêntico... Me sentindo culpado e um tanto arrependido, virei-me para deitar novamente na cama, quando senti uma dor lancinante em minhas costas e soltei um gemido.
-Ah, Tiago! Aqui, deixa eu te ajudar...
Com cuidado, ela prontamente se aproximou e delicadamente me ajudou a recostar na cama. A voz também... 
Perguntei, então, numa tentativa de mudar o assunto, pois já me sentia um tanto cansado:
-...Quanto tempo você acha que eu vou ter que ficar aqui?
-Os médicos disseram que são só alguns dias. Mas não importa. -nesse momento, ela esticou sua mão para alcançar a minha, me provocando uma ligeira sensação de intimidade invadida. - Eu estou aqui pra você, Tiago. O tempo que você precisar de mim...
 Tomado pelo sono, acabei adormecendo.


Capítulo 8:

Diário de Hospital

9 de Junho

Não sabia há quanto tempo estava consciente, mas sabia que havia acordado. Tinha essa certeza pois a única coisa que pude identificar no momento era minha sensação incrivelmente desagradável de que não havia dormido o bastante. Desejei, por alguns instantes, que permanecesse em um estado de semi-consciência, onde não poderia sentir mais nada além do fato de não estar morto. Porém, contra a minha vontade, meus sentidos foram gradualmente retornando a mim, um por um. Primeiro, o olfato me fez sentir o cheiro enojante de hospital, caracterizado pelo desinfetante e pelo odor de limpeza artificial. Em segundo, o tato, quando senti cada articulação do meu corpo doer ao meu menor movimento. Depois disso me veio o paladar, trazendo a sensação amarga dos remédios que haviam me enfiado garganta abaixo. Com a audição, pude ouvir a incessante chuva e o vento batendo na janela. Por fim, abri os olhos, e fui capaz de enxergar as rachaduras do teto branco que iam das extremidades até o centro, onde uma lâmpada presa por uma dupla de fios expostos desafiava a lei da gravidade. Rolando na cama de um lado pro outro, frustrado, olhei pela janela e constatei que não iria ser capaz de ver nada, pois uma neblina densa havia se instalado. Coberto de dores e de desconforto, só conseguia pensar no quanto isso tudo é injusto...

10 de Junho

O médico veio hoje. Ele me fez engolir uma pílula estranha que ardeu cada centímetro de minha garganta, e disse que se ela não aliviasse a minha dor, ele teria de recorrer a medicamentos mais fortes. Eu não quero medicamentos mais fortes. A pílula que tomei já me deixou com enjôos e tonteiras durante o dia inteiro. Além do mais, se eu só me sinto melhor quando estou drogado, quem sou eu de verdade? Não consigo deixar de pensar que a as angústias da vida real são terrivelmente fortes, a ponto de nos vermos obrigados a recorrer a outras realidades que nos auxiliem na enfrentamento da nossa. Sei que devo estar soando patético e fraco, mas nem todo mundo consegue ser tão forte. Será que é tão condenável escolher tentar fugir ao invés de lutar? Algumas pessoas provavelmente diriam que sim, mas nenhum deles teve de passar pelo que passei. Sinto que isto é um pensamento tão egoísta, mas por mais que tente, não consigo evitar o modo como eu me sinto. É muito difícil continuar vivendo desse jeito...

11 de Junho

Ah, Julia... Por mais que eu saiba que é loucura, no meu íntimo eu ainda tenho a esperança de que alguma hora você vai entrar por aquela porta balançando seus lindos cabelos escuros, vai vir correndo me abraçar e me dizer o quanto estava preocupada comigo e o quanto sentiu minha falta. Que vai reabrir a janela do meu coração, trancada por tanto tempo, e novamente fazer crescer flores onde um dia foi um jardim. Por isso, eu observo esperançosamente a porta o dia inteiro. Mas ela jamais se abre. Então eu continuo esperando, preso no casulo da minha dor e solidão. Sentindo-me fraco e desamparado, aguardando eternamente alguém que já sei que não vai voltar. Eu queria tanto poder mudar o modo como as coisas acabaram, Julia... Mas não consigo. Por isso fico aqui, pintando na cabeça um mosaico das nossas lembranças. Da nossa temporada em Cancun. Lembranças de tempos um dia melhores, tempos que não retornam mais. Os anos maravilhosos que tive ao seu lado... Mesmo que a nossa vida juntos tenha terminado desse jeito, eu não trocaria o tempo que passei com você por nada nesse mundo. Se na época que te conheci, alguém do futuro aparecesse para me contar todas as felicidades que eu iria viver com você e me dissesse que o custo delas seria o que estou passando agora, eu não teria dúvidas de que faria tudo de novo. Não posso pedir que você se lembre de mim onde quer que esteja agora, mas não consigo suportar a idéia de você me esquecer. Você me deu tanta coisa, e eu não fui capaz de retribuir nada...
Julia...
Você me fez feliz...