domingo, 16 de junho de 2013

Fui - sou não mais
adeus ao Morrissey,
ao Oscar Wilde,
e à minha mãe

Meu deus, que fez agora este rapaz?
Mais um caso de jovem que perdera a cabeça

segunda-feira, 3 de junho de 2013

XX

-Existe algo a mais que você precisa fazer. Mas você jamais conseguirá avançar antes de acertar as contas com seu passado.
-Acertar as contas!? Como assim? Achei que tivesse abandonado meu passado! Ele todo!
-Não há como abandonar o passado. Cada passo deforma o sapato em algum pequeno detalhe e, portanto, molda o passo seguinte, e assim sucessivamente. Seu passado está sempre sob seus pés. Não é possível fugir, se esconder ou se livrar dele, mas é possível chamá-lo de volta e fazer as pazes com ele. Você está disposto a isso?
Hesitava, mas sabia que o outro estava certo. Haviam certas memórias difíceis de serem revividas, memórias que causam vergonha, arrependimento ou raiva. Sabia que o acerto de contas jamais fora realmente feito, e era necessário para que pudesse seguir em frente. Subitamente, sentia o chão tremer e via brotar das rachaduras os antigos Eu, incluindo aqueles que não provocavam nenhum orgulho. Pela primeira vez, os encarava, e percebia que não eram nada a temer. Eles foram eu, há tempos, não mais. Conforme percebia isso, perdoava os antigos Eu pelos erros que cometeram anteriormente que causaram incômodo ou desconforto, e por sua vez, eles também perdoavam por não ter prestado atenção às lições que tinham a me oferecer. Chegado um entendimento entre Eus, eles começaram a subir pelos céus e desaparecer, permanecendo apenas como memórias e experiência, mas não mais contendo nenhum poder sobre o presente. O próximo passo era, agora, possível.

domingo, 2 de junho de 2013

Meh [9]

Capítulo 9: Realidade


Chacoalhar brusco. Ainda tonto e com a cabeça latejando por ter sido desperto tão abruptamente, percebi que a cama na qual estava deitado era empurrada por um longo corredor mal-iluminado. Lâmpadas velhas de brilho pálido eram as únicas fontes de luz, e já davam sinais de que provavelmente não durariam muito tempo. A frágil claridade não era suficiente para permitir que meus olhos enxergassem perfeitamente os arredores. Só conseguia distinguir a silhueta do médico que me acompanhava. Sentia-me diferente, porém. A velocidade com a qual ele me levava somada à atípica escuridão estavam me deixando incomodado. Também não ouvi os barulhos característicos de um ambiente hospitalar, e o médico não proferia uma palavra sequer. Fiquei perturbado. As trevas e o silêncio são ambientes prósperos para a aglomeração dos horrores que habitam tanto o mundo quanto a mente. Mas não deixei que tais pensamentos povoassem meu cérebro por muito tempo. Estava num hospital, afinal, e se não deveria me sentir seguro aqui, não me sentiria em lugar algum.
Ainda sim, havia algo errado. Os estranhos solavancos da cama me impediam de deslizar para a inconsciência. Além disso, surgira uma sensação não familiar em meu interior que me mantinha desperto. Era ela também a responsável por jogar adrenalina em minha corrente sanguínea e fazer meu coração bombear sangue ligeiramente mais depressa, colocando-me em um estado de alerta. Parecia-me como se fosse algum instinto de sobrevivência, me preparando para um combate iminente. Mas o perigo que essa sensação estava prevendo... seria ele imaginário...? Aproveitei a percepção aguçada provocada pela tensão para tentar ouvir ou ver alguma coisa. Qualquer coisa que provasse que a ameaça estava apenas em minha cabeça. Mantive os olhos fechados para não denunciar minha consciência, mas o que ouvi não me deixou mais calmo. Ruídos estridentes de metal se arrastando contra metal, somados a barulhos de correntes e portas batendo. Ventiladores enormes girando lentamente, e outros estrondos altos. Até que o som horrendo de um grito terrível e agonizante ecoou por todo o hospital até vibrar nos meus tímpanos e gelar a minha espinha, como o último sopro oriundo das entranhas dos que estão para morrer. A angústia parasita em meu interior foi se alastrando depressa, se infiltrando e enraizando como uma doença virulenta, se alimentando do meu desespero. Tentei me mover, mas meus braços e pernas estavam dormentes e pareciam pesar toneladas. Abri meus olhos, mas instantaneamente desejei não tê-lo feito. A visão mais nítida me permitiu enxergar a imundície do teto e das paredes, que demonstravam sinais pesados de descuido e abandono. As lâmpadas eram ainda mais velhas do que pensei, e suas luzes tremeluzentes, prestes a se extinguir, davam ao ambiente um aspecto ainda mais ameaçador. Enquanto o médico me empurrava, passávamos por inúmeras fileiras de portas de metal de aparência velha e ferruginosa, e através de uma pequena abertura no metal, pude distinguir os médicos cometendo os mais vis e desumanos atos contra os internos. Sufocamentos, fogueiras humanas, desmembramentos e outras torturas inimagináveis passavam diante de meus olhos. Tentei gritar, mas a língua não se movia ao meu comando, e não fui capaz de emitir nenhum mísero som. Macas e camas manchadas de sangue se espalhavam pelo corredor, acompanhados por embrulhos estranhos, alguns se movendo freneticamente, tentando desesperadamente se libertar. Senti-me extremamente enojado e mal pude conter a forte ânsia de vômito. O ar em meus pulmões esvaziara por completo, e meu coração batia violento e descontrolado, tentando bombear oxigênio para minhas células. Minha boca e garganta estavam ressequidas e causavam-me dor ao engolir saliva, enquanto o suor escorria encharcando minhas roupas e cama. Todo o corredor parecia corrompido por sujeira, sangue e ferrugem, mas não era só isso. Era como se a própria realidade houvesse sido contaminada.
Subitamente, o médico que me empurrava parou, virou-se e começou a andar para longe. Ouvi seus sapatos se chocarem contra o chão gradeado por um tempo, até o eco ser engolido completamente pela escuridão. À deriva naquele ambiente hostil e macabro, não soube dizer se meu terror havia crescido ou apaziguado. Senti, porém, uma presença nefasta se aproximando cada vez mais de mim, muito mais ameaçadora do que qualquer médico. A mesma presença que senti me espreitando das sombras e me mantendo desperto minutos atrás. Sabia que tinha de me mover. Depressa. O torpor e a inércia eram agora vencidos pelo medo e pela adrenalina, que me impulsionavam a fugir. Em um surto de força, levantei-me da cama e me pus a correr. Cada passo feria meus pés, que sangravam em contato com a grade de metal do chão, enquanto vapor quente vindo de tubos no teto aumentava ainda mais o calor. Parecia um pesadelo terrível, em que se corre desesperadamente sem conseguir sair do lugar. Mas não podia parar de correr. A presença... estava perto demais. Vi ao final do corredor uma porta e, numa mistura de pânico e determinação, fui em sua direção o mais rápido que pude. Era minha escapatória. A cabeça latejava e as pernas mal sustentavam meu corpo, mas cheguei, triunfante, ao meu destino. No momento em que a abri, porém, fui atacado por um ruído que pareceu perfurar meu crânio e me incapacitou completamente. Conforme desfalecia e perdia a consciência, só consegui pensar que o ruído se assemelhava muito a uma buzina de carro...

Abri os olhos. Olhei ao redor, aflito, procurando sinais de que a realidade havia revertido ao normal. O quarto estava exatamente do jeito que estivera durante os últimos dias, exceto por um único detalhe. Havia um vaso de flores na cabeceira ao lado da cama. Intrigado por sua origem, perguntei à enfermeira prestes e sair do quarto quem o havia deixado.
-As flores? Foi uma garota bonita quem deixou. Passou aqui mais cedo, mas você estava dormindo.
-Uma garota? Ela disse seu nome, por acaso?
Parou por alguns instantes, pensativa, e respondeu
-Acho que sim, mas não consigo me lembrar. Disse que passaria aqui outro dia.
Agradeci, e ela saiu.
Uma...garota?