Embora eu busque clarividência, não é possível encontrar correspondências exatas entre as coisas que eu sacrifiquei e aquilo que me abri pra receber em troca.
Eu, que me pendurei por 60 dias nos galhos da árvore-mundo, me abaixei pra encontrar a sabedoria daqueles que transbordam as fronteiras. Gritando, eu conheci.
Curiosidade e desejo me movem a explorar, tatear os cantos obscuros, revelar o oculto no lampejo. Gravar no fundo dos olhos a memória da vida e estar presente pelos lugares que andei. Me atravessar e me refazer. Ninguém sai ileso da presença.
O brilho não pede passagem, se impõe. E se eu não sinto que é, é porque não é.
A resposta sobre qual vida queremos viver não é necessariamente simples. Envolve em primeiro lugar uma percepção sobre autonomia que não é fácil de abordar. Em primeiro lugar porque a liberdade enquanto direito fundamental é negada a diversas formas de vida por conta de atravessamentos diversos. Frequentemente temos a impressão de que as condições são tão avassaladoras que o poder de escolha é tirado de nós. Simplesmente parece não haver alternativa.
Em segundo lugar porque a natureza contínua e transformadora da vida coloca em movência a resposta. Soterrados diante das possibilidades a escolha sobre o que fazer implica uma renúncia; mil vidas que não foram e nem serão vividas.
No budismo o sofrimento vem do apego e da dificuldade de lidar com a impermanência das coisas. Mortes, distância, transformações e mudanças: algo com o qual estávamos acostumados não estará mais lá.
Mas, não é o Orí de outra pessoa, e diante disso existe uma responsabilidade que não se pode transferir. Oxum lava suas jóias antes de lavar a cabeça de seus filhos.
Então o amor como gesto de cuidado é direcionado primeiro para si. E depois para o outro.
O que é esse auto cuidado? Falar consigo mesmo como se você estivesse dando apoio pra um amigo. E ter de fato amigos é importante pra fortalecer esse apoio. O amor próprio nos ensina algumas coisas, e o amor comunitário ensina outras.
Mas quem tem direito ao amor? Quem tem direito à autoestima? Foi triste dizer que estava indo embora porque o meu cuidado se tornou pesado e desequilibrado demais para suportar.
A minha vida não pára por ninguém, eu disse. E num instante a fantasia de uma vida juntos se tornou fumaça, menos palpável, mais distante. E isso é algo que posso escolher.
Posso escolher porque tenho os recursos pra isso. Posso escolher porque penso sobre a escolha, porque banco ela materialmente, porque banco ela emocionalmente. Essas são as condições, os custos. O processo de vivenciar isso tudo e sofrer. Sofrer, pra poder escolher.
Então o sofrimento pode afastar da escolha. Aceitando-o ou evitando-o, somos movidos pela relação com o padecer-se na forma mais comum, vulgar.