-Eu queria mesmo era morrer.
-Você fala essas coisas assim, meio brincando, mas dá pra ver que tem uma dor de verdade aí...
-Quem está brincando?
...
-Mas as coisas têm valor, elas significam algo.
-Valor e significado são conceitos absolutamente abstratos e subjetivos. Dinheiro, por exemplo, para mim não possui valor algum.
-Dinheiro é uma forma de representar o valor de algo.
-E quem foi que disse que o dinheiro vale por alguma coisa? Quem foi que incumbiu ao dinheiro a tarefa de mediador de valores? Ele vale porque alguém diz que vale, mas quem? Não sei. Sei que não fui eu.
-Mas o que você está querendo dizer com isso?
-Que as minhas noções de valores diferem muito das de quem está ao meu redor
-Inverdade, algumas coisas são guardadas por você tão queridas quanto por outros. Você não se identifica com esses conceitos materialistas de valor do dinheiro...
-E dinheiro não é o valor máximo da nossa sociedade? Do mundo em que vivemos?
-Mas certamente há outras coisas, coisas em comum
-Família, por exemplo, para mim não possui significado...
Talvez minhas palavras a estivessem cortando fundo, ainda que sem intenção, e por isso achei que deveria pedir desculpas.
-...eu gosto de vocês pelo que são, independente de serem familiares ou não.
-É... isso foi uma escolha da nossa família, ser atada por laços maiores que os de sangue, e não tornar essa convivência familiar algo obrigatório. Possibilita uma maior liberdade.
-Liberdade não é sinônimo de felicidade. E certamente você há de concordar que muita gente discordaria, e discorda, dessa nossa escolha.
-Então o que essa não identificação com os valores alheios gera em você?
-Angústia. Sinto que não faço parte realmente de nada. Como se estivesse à margem do mundo.
-Mas então você precisa encontrar os seus iguais!
-Não há outros iguais a mim.
-Não seja dessa forma, é porque você é meio além do seu tempo, faz reflexões que as pessoas da sua idade não fazem.
-Eu já convivo com gente mais velha o tempo todo na escola, em cursos e em outros lugares, e mesmo com elas eu não consigo me fazer entender. Ser entendido. Minhas palavras não encontram eco nos ouvidos de outrem. Os iguais a mim ou enlouqueceram, ou se mataram. A existência é... pesada demais para nós.
A sintonia era grande. Dava pra perceber que minha dor, por tão clara e visível, a estava afetando, e seu coração compartilhava meu sentimento. Por algum tempo, perguntou-me sobre pessoas que julgava talvez serem capazes de me compreender, e provei cada uma ser incapaz tão rápido quanto seu nome surgia. Em algum ponto do diálogo, me ofereceu fazer terapia.
-Eu não preciso de terapeuta, preciso de um amigo.
E eu, por mim mesmo, percebia o que estava fazendo a ela, e sofria por isso. A pior parte era essa. Sentia que ela desejava profundamente me ajudar, mas não encontrava meios para isso.
-Mas terapia pode te ajudar a conhecer mais sobre si mesmo, a lidar melhor com suas dores e, por consequência, a fazer conexões.
-Não pode. Não preciso de idiotas me dizendo sobre mim mesmo. Não há perspectiva de cura ou de futuro melhor.
-É o que estou dizendo, você diz isso porque está passando por uma fase péssima da vida!
-A vida inteira é péssima. É a angústia de correr buscando um significado maior que jamais é encontrado.
...
Vai melhorar, ela disse.
-Obrigado, mas deixei de acreditar nisso depois da quarta ou quinta vez.
...
Nossos corações ressoavam, ouvindo o eco da voz um do outro. Era uma voz triste e silenciosa.