segunda-feira, 4 de maio de 2015

Meh [12]

Eu sonho. Sentindo a seca e fria brisa do mar enquanto ouço o ruído das folhas se arrastando na calçada ao serem sopradas pelo vento, eu sonho. Fecho meus olhos até enxergar na umbra seus braços abertos, prontos para me apertar até que eu perca o ar, e sua boca para me amar com carícias e palavras doces. Eu sonho por amor desde o dia em que o meu não pôde mais existir na realidade, e vejo minha felicidade em tons de sépia, com as granulações dignas de um filme antigo exibido em um projetor. Porém, todo raiar do dia vem e me desperta do sono, debochando de mim pelas horas que terei de viver até que possa sonhar de novo.
O raiar desse dia em particular me disse que meu breve período de estase social havia cessado e que era hora de voltar para casa, mas que eu deveria voltar à "hospitalização supervisionada" caso algum outro problema surgisse. Uma afirmação demasiadamente vaga e, em minha opinião pessoal, sugerindo de maneira implícita que eu não me atirasse irresponsavelmente no meio de uma rua movimentada para evitar transtornos. É claro que, no caso hipotético do transtorno ser justamente a causa do ato, eu deveria me manter com o meu simplesmente para não gerá-lo nos outros.
-Ei, você!
Suspiro.
-Você por acaso é o Tiago?
Parei alguns instantes na tentativa de refletir sobre a probabilidade real desta situação ocorrer. Me encontro na calçada diante do hospital durante a tarde de um feriado, quando um total estranho surge das profundezas de algum lugar desconhecido e me chama pelo nome. Efetivamente, quais são as chances?
-Er, sou eu sim. Me desculpe, mas... deveria me lembrar de você?
-Não é exatamente surpreendente que eu não tenha chamado muito sua atenção na sala de aula. Meu nome é Leonardo. Sou o namorado da Clara.
Há! É esse o rapaz "tímido e de senso de humor irônico"? Não me parece nada tímido; é, inclusive, bastante articulado. E fala de um jeito estranhamente familiar... De onde eu conheço esse estilo de discurso?
-Ah! Leonardo, certo. Bem, é um... prazer conhecê-lo, Leonardo. Er, a Clara por acaso está por perto?
-Ela gostaria de ter vindo, mas o dia está sendo cheio na floricultura e ela não teve como sair mais cedo.
-E então você veio sem ela.
-Como eu poderia perder todo esse tempo especial que estamos passando juntos?
O tom irônico extrapolado e ao mesmo tempo subliminar na afirmação feita com a feição demonstrando a mais absoluta seriedade não deixava dúvidas. Clara acertou na mosca. Ele se parece comigo. Não pude evitar soltar uma risada abafada, compreendendo o quanto essa situação provavelmente parecia tão estranha pra ele, que foi enviado pela namorada pra encontrar um estranho, quanto pra mim, que fui abordado por um desconhecido em uma situação de diálogo para o qual a intimidade não havia preparado terreno. Me senti de uma pequena e singela maneira conectado, e ele recepcionou minha risada abafada com um ligeiro sorriso de canto de boca.
-Então... como você me reconheceu?
-Foi fácil. Clara me disse pra achar um rapaz loiro e bonito, aparentemente perdido e olhando para o horizonte como quem não tem propósito na vida.
-A... Clara disse isso?
-O que você acha, Tiago? Ele perguntou enquanto arqueava uma sobrancelha, visivelmente se divertindo com o rumo da conversa. Ele parecia estar me provocando, como se tentando me deixar desconfortável de propósito simplesmente para testar minhas reações, e eu me senti incaracteristicamente com vontade de devolver a provocação de maneira espirituosa. Era uma situação interessante, aquela; parecíamos dois lutadores em um ringue, se circundando e analisando um ao outro, tentando fazer afirmações que instigassem a conversa e a mantivessem em um equilíbrio delicado, beirando o desconforto verdadeiro mas não permeado por ele para que ninguém se sentisse realmente incomodado. Refleti então que ele é um rapaz bastante peculiar, assim como Clara, mas por motivos diametralmente opostos. Surpreende-me um pouco que sejam de fato um casal.
-Eu acho... que você acaba de se expor ao incluir suas próprias observações sobre mim.
-Eu suponho que semelhantes de certa forma se reconhecem, no final das contas. Mas acho que jamais saberemos qual parte da descrição foi minha e qual foi da Clara, não é mesmo? Disse ele, enquanto sorria.
Continuamos caminhando enquanto a escuridão lentamente se deitava sobre a rua, e antes que eu percebesse, Leonardo havia me acompanhado até em casa. Depois de nos despedirmos, fiquei alguns minutos refletindo sobre os acontecimentos do dia e me surpreendendo com a maneira pela qual um rapaz de cabelos escuros e feições aparentemente severas havia desencadeado uma interessante conversa, de alguma maneira cômica e séria. Visualmente, sua aparência simples de jeans e camiseta despertava bem pouco a curiosidade, embora talvez tenha sido justamente essa característica - um certo vazio misterioso - que de repente tenha me parecido tão magnética.
Leonardo...
Eu ficaria contente se fôssemos amigos.