quarta-feira, 4 de julho de 2012

Meh [7]

Capítulo 7: Paraíso sombrio

Sentia-me flutuando. Minha cabeça se encontrava apoiada em algo macio e confortável. Um familiar e sutil perfume feminino de cheiro extremamente agradável pairava no ar. Eu conhecia esse cheiro, assim como essa sensação de bem-estar. Só poderia ser causada por uma pessoa.
-Ah... Julia?
Pensei por alguns instantes em abrir os olhos, mas notei que me demandaria um esforço que não me parecia necessário naquele momento. Sentia-me diferente por algum motivo. Mais leve, livre das preocupações. Livre das dores. Pela primeira vez em muito tempo, me sentia genuinamente... bem. Será que eu... morri? É isto, então. Morto por um motivo qualquer numa rua qualquer. Morto antes de minha vida ter sequer começado. Morto antes que meu coração pudesse um dia conhecer a tranquilidade...
No entanto...
Ainda sim, havia algo esquisito. Algo ainda doía. Uma dor estranha e latente persistia, e parecia me arrastar com força para algum lugar estranho e assustador. Era uma dor... na minha coluna? Mas se minha coluna doía, isso quer dizer que eu...

Percebi-me deitado em algo duro, e minha coluna doía extraordinariamente. Tive a impressão de que algo pesado havia passado por cima de mim e quebrado todos os meus ossos. Quando, enfim, abri os olhos, me deparei com duas esferas prateadas que me observavam minuciosamente.
-Não é a Julia, seu bobo. É a Juliana...

Eu... ainda estou vivo...

Notei então que estava deitado em uma cama, e ela, sentada em um pequeno sofá ao lado. Tentei me levantar, mas uma pontada de dor fez com que eu cessasse meu movimento, mordendo os lábios e fechando os olhos com força.
-Vai com calma, Tiago. Afinal, você acaba de ser atropelado... Disse ela, dando uma leve risada sarcástica
-A-Atropelado, você diz? Perguntei, atônito.
-Foi o que eu disse. -com um movimento da mão, ela jogou seus longos cabelos negros para trás- Pelo visto, você saiu correndo para atravessar a rua e não conseguiu ver que um carro enorme vinha na sua direção...
Olhei ao redor e percebi que me encontrava em um quarto de hospital. Estava um pouco escuro, mas pelo que consegui enxergar, as paredes e o teto eram pintados de branco, assim como uma porta que dava para um banheiro. O pequeno sofá onde ela havia se sentado era de um tom de azul desbotado, e um armário simples ocupava uma parte de uma das paredes. Presumi que era ali onde haviam guardado minhas roupas. Achei o quarto terrivelmente frio, e notei que fumaça saía de minha boca. Olhei para a janela e vi que estava aberta, exibindo a noite sombria que,  enquanto eu dormia, havia deposto a claridade. Pedi gentilmente que minha companhia fechasse a janela, visto que estava vestido apenas com uma camisola e o frio já estava me fazendo perder a sensibilidade nas extremidades do corpo. Dando de ombros como se o frio não a incomodasse, ela se levantou e caminhou devagar e despreocupada em direção à janela, fazendo ecoar pela sala o barulho de suas botas de salto alto batendo contra o chão.  Quando ela voltou ao seu lugar, pude ouvir a crescente sinfonia que os pingos de chuva começavam a fazer ao se chocar na janela de vidro. Ela prosseguiu:
-Eu estava andando pela rua da praia quando vi uma multidão reunida e resolvi perguntar a alguém o que houve. Me disseram que tinha sido um atropelamento, e quando me aproximei, vi que era você quem estava ali, estirado no chão. Quando a ambulância chegou, eu disse que era sua namorada e que estava muito preocupada com você, e me deixaram vir junto...
-Minha namorada!? Por que você disse isso? Perguntei, interrompendo-a revoltado, enquanto me levantava desajeitadamente da cama. Ofendida, ela levantou-se também e respondeu:
-Ora, como você pretendia que eu me apresentasse? Eu teria tido problemas pra entrar aqui se fosse de outra forma! Além do mais, ninguém teria vindo te acompanhar se eu não o tivesse feito. Você teria acordado aqui sozinho, sem ninguém pra te fazer companhia, como acontece todos os dias! É isso mesmo que você queria, Tiago? Não tem noção do favor que eu te fiz!?
A sua voz havia mudado, como naquela outra vez. E novamente estava me provocando arrepios. Aturdido pela reação dela, gaguejei:
-...M-Mas você não é minha namorada!
-Ah é, tem razão. Perdão por isso. Sua namorada está morta.
Dizendo isso, me encarou desafiadoramente com seus afiados e penetrantes olhos prateados, de modo que não pude deixar de reparar. Por deus, o rosto delas é idêntico... Me sentindo culpado e um tanto arrependido, virei-me para deitar novamente na cama, quando senti uma dor lancinante em minhas costas e soltei um gemido.
-Ah, Tiago! Aqui, deixa eu te ajudar...
Com cuidado, ela prontamente se aproximou e delicadamente me ajudou a recostar na cama. A voz também... 
Perguntei, então, numa tentativa de mudar o assunto, pois já me sentia um tanto cansado:
-...Quanto tempo você acha que eu vou ter que ficar aqui?
-Os médicos disseram que são só alguns dias. Mas não importa. -nesse momento, ela esticou sua mão para alcançar a minha, me provocando uma ligeira sensação de incômodo. - Eu estou aqui pra você, Tiago. O tempo que você precisar de mim...
 Tomado pelo sono, acabei adormecendo.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Bleh

"-Vai, faz um poema ultrarromântico, pra mostrar que você entendeu direitinho a matéria"

...

O meu amor é cinza. Assim como a vida sem ela. Os seus lábios gelados, os seus longos cabelos escuros iluminados pelo brilho prateado da lua cheia. A sua pele pálida e branca imaculada, a sua consciência pura, dormindo em algum lugar escuro e sombrio debaixo da vida. Jaz enterrada em algum túmulo congelado, coberta com a tênue mortalha da noite. Como sonhei com esses olhos fechados e com esse beijo que jamais fora roubado. Como amei a sua presença, ausente em minha vida, para depois não amar a vida, quando sua ausência fez-se presente. A presença da dor, mais poderosa que a dor da ausência que se apresenta. Oh, por que tantas dores sofri e sofro, por esse adeus que estremece a minha vida? Essa sentença que caminha, e a esperança que não volta. Já se afastam os amigos, e já não há mais amada...