segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Estigma

Vou escrever esse, porque ela já escreveu muito por mim.

É isso. Não olhe pra trás. Nem ouse virar o rosto. Cabeça erguida. Peito estufado. Barriga encolhida, ombros pra trás, postura perfeita. Não tropece. Apresse seus metódicos passos de salto alto. Não quebre o ritmo. É isso aí, você está indo bem. O cabelo caiu no rosto, tire com a mão. Cuidado pro anel não arranhar os óculos escuros. Dobre a esquina. Perfeito. Continue assim, você não fez nada de errado. Ora, que poderia haver de errado em fazê-lo? Não é nada de mais, mesmo. Pessoas fazem esse tipo de coisa o tempo todo, você sabe. O sucesso de uns é construído em cima do fracasso de outros. Por que se preocupar, então? Você não fez nada de errado. Pronto, está quase lá. 12, 18, 21. O seu é o 72. Não falta muito. A bolsa vai escorregar, ajeite-a. Isso. Cuidado pro salto não prender nos paralelepípedos. Seria uma tragédia o salto quebrar agora, nem pense nisso. Não ouse se dar ao trabalho de ter que resolver o que fazer depois. Como se você já não estivesse ocupada antes. Ora, por favor, né? Olha os números. 112. Passou, desatenta. Preste mais atenção da próxima vez. Meia volta. Já não está andando há horas? Precisa se apressar, parece que já vai chover. 83, 76, 72. Aqui. Suba os três primeiros degraus enquanto procura as chaves na bolsa. Cuidado para não tropeçar. Isso, agora coloque na fechadura e gire. Entrou. Muito bem. Guarde as chaves e feche a porta. Encoste na porta de madeira e por ela escorregue até atingir o chão frio. Descanse a bolsa ao lado. O tapete está manchado. O que é isso? Olhe pras mãos. Hm? Onde arranjou isso, mulher? Esfregue as mãos. Ainda não saiu? Levante-se e vá se lavar agora, antes que suje mais a casa e dê trabalho de limpar depois. Banheiro. Pia. Ligue. Isso, esfregue. Coisinha teimosa, não? Sabonete, então. Esfregue. Esfregue. Mais forte. Saia, desgraçada. Porque não sai? Ora, saia. Por favor. Saia. Por favor... Eu imploro... Saia... Enquanto lamentava, desmoronou lentamente no chão olhando para as mãos. As manchas negras em seus dedos encaravam-na, como se desafiando a tentar removê-las. No entanto, já não poderia haver esperança. Uma vez contaminadas, suas mãos jamais poderiam ser limpas novamente.

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