Ah, o que falar sobre você? Parece que tudo que eu poderia pensar em falar seria tão pouco pra me expressar de verdade...
Que atire a primeira pedra quem nunca se flagrou no meio da madrugada pensando que estava sozinho no mundo e que não era nem jamais seria amado, indagando se passaria o resto da vida sobre noites mal-dormidas em uma paisagem sem amor e, apesar de desejando desesperadamente que a vida mudasse, suspeitando no fundo que era indigno demais para a felicidade amorosa. Não tenho condições de te agradecer o suficiente por me dar a sensação de que caso isso acontecesse de novo, eu poderia te acordar com uma ligação pra você me falar como tudo isso não passa de baboseira.
Sempre te disse que nós éramos um casal improvável, mas acho que talvez você nunca tenha se dado conta do quanto. Ou simplesmente não se tenha dado ao trabalho de pensar sobre algo que não fazia muita diferença, no final das contas. Devo dizer que isso é um pouco a sua cara, mas é um pouco a minha também gostar de teorizar sobre as coisas. Permita que eu tente lhe descrever o tipo de pessoa com quem eu até então -achava- que teria um relacionamento duradouro, que acabou ficando meio uma mistura de amores não realizados com supostas fantasias amorosas dos meus desejos. Primeiro de tudo, seria um existencialista. Do tipo angustiado, que lê Nietzsche e toma muito café. De pele pálida e tocador de violão. Sem televisão; fã do James Dean e de cinema clássico.Um melancólico, meio anacrônico e desdenhoso de inovações tecnológicas, com aspirações a uma vida despretensiosa de assistir ao pôr do sol na varanda de uma casa no campo enfeitada com perfume de essências e incensos. Um senso de humor contido, mas implacável, somado a um distanciamento irônico da cultura popular; bom com as palavras e com pretensões de poeta, querendo traduzir em arte a dor da existência. Alguém que tome banho todos os dias mas não ligue de usar roupas velhas ou rasgadas. Acima de tudo, um outsider. Como eu.
Tenho certeza de que você deve estar se matando de rir agora, porque então me veio -você-. Um carnívoro grande e forte, de pele corada que queima quando vai à praia. Uma gargalhada cheia e barulhenta, do tipo que aparece o tempo todo e por qualquer coisa. Um fã assíduo de futebol (sim), que enche a boca pra falar palavrão e que não faz amor: trepa. Ouvinte da música pop mais mainstream possível e curtidor dos filmes de sucesso. Direto e honesto, sem rodeios. Um apetite voraz pra praticamente qualquer coisa, desde que com pelo menos três graus de separação da fazenda. Prazeres simples e fáceis: jardim zoológico, séries de policial na TV e brigadeiro de panela. Um inepto na cozinha, frequentador de academia e preocupado com o peso, embora particularmente eu ache que não há nada de errado com ele. Enorme, da constituição de um carvalho, do tipo bom de se enroscar nas noites frias e de deitar no peito pra ler. Meio estabanado, quase que não acostumado ainda com o espaço que o próprio corpo ocupa, mas gentil e dono de um coração de ouro. Surpreendente, não? Que sorte temos quando somos poupados daquilo que achamos que queremos! Quão cansado eu não teria ficado de todos aqueles poemas idiotas, e como eu detesto lamúrias de um violão!
Nossa aproximação foi uma minúscula semente distraída que brotou na terra totalmente ao acaso. Sentia-me puxado a você como astros celestes atraem e repelem uns aos outros em uma espécie de provocação. Sob o olhar desconfiado de um amigo meu, que insistia que estava -óbvio- o que estava pra surgir entre nós, trocamos mensagens intermináveis durante nossas madrugadas, descobrindo um ao outro a cada história da noite. Quando descobri que estava apaixonado, lembro-me de caminhar constantemente marcado pela insegurança do amor não-correspondido. Afinal, seus gostos não eram tão... abrangentes na época, e me acho tão sem atrativos que dificilmente eu despertaria esse tipo de coisa em você. Entregar a alguém o seu amor nunca é uma garantia de que a pessoa em questão vai te amar de volta, mas mesmo assim, nunca deixei de sentir vontade de te mostrar o que havia de melhor em mim na esperança de que eventualmente alguma coisa poderia mudar. E qual não foi minha surpresa quando mudou.
Ouvi dizerem uma vez que nenhum amor sobrevive sem expressão, e que tempo gasto para lembrar aos outros o quanto são importantes para nós nunca é tempo desperdiçado. Eu sei que posso talvez não ser o mais carinhoso dos namorados e sou culpado de deixar demais nas mãos de sub-entendidos e pressupostos, mas a verdade é que tenho dificuldade de encontrar palavras pra descrever o quão feliz eu sou por poder segurar a sua mão e te chamar de meu. Todas as vezes em que você vem me contar algo e se convence de que não estou interessado pela minha reação ter sido menos do que o esperado, ou mesmo por eu abertamente revirar os olhos e suspirar como quem está cansado, saiba que no fundo eu me sinto bem de ver que você sente vontade de conversar qualquer coisa comigo, por mais 'desinteressante' que você suponha que eu vá achar. Não consigo admitir o quão lisonjeado eu fico por ser a mim que você escolhe quando precisa ir em um encontro-roubada programado pelos seus amigos, e o quão confortável me sinto por gastar meu tempo em uma roubada com você.
Queria que você soubesse que eu não tenho mais medo. Mesmo acostumado com a derrota, eu já perdi o meu medo de ganhar. Não tenho medo das coisas darem errado, não tenho medo de brigas, e não tenho medo de desentendimentos. Não tenho medo do que vai acontecer depois. Não me arrependo do que aconteceu antes. Ainda tenho o seu número guardado para as madrugadas em que estivermos longe. E ainda tenho os seus braços para me acolher quando estivermos perto. E por mais que sejamos improváveis, acho que combinamos um com o outro. Conseguimos fazer o para sempre caber em um momento tão pequenininho...!
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