quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Meh [8]

Diário de Hospital

9 de Junho

Não sabia há quanto tempo estava consciente, mas sabia que havia acordado. Tinha essa certeza pois a única coisa que pude identificar no momento era minha sensação incrivelmente desagradável de que não havia dormido o bastante. Desejei, por alguns instantes, que permanecesse em um estado de semi-consciência, onde não poderia sentir mais nada além do fato de não estar morto. Porém, contra a minha vontade, meus sentidos foram gradualmente retornando a mim, um por um. Primeiro, o olfato me fez sentir o cheiro enojante de hospital, caracterizado pelo desinfetante e pelo odor de limpeza artificial. Em segundo, o tato, quando senti cada articulação do meu corpo doer ao meu menor movimento. Depois disso me veio o paladar, trazendo a sensação amarga dos remédios que haviam me enfiado garganta abaixo. Com a audição, pude ouvir a incessante chuva e o vento batendo na janela. Por fim, abri os olhos, e fui capaz de enxergar as rachaduras do teto branco que iam das extremidades até o centro, onde uma lâmpada presa por uma dupla de fios expostos desafiava a lei da gravidade. Rolando na cama de um lado pro outro, frustrado, olhei pela janela e constatei que não iria ser capaz de ver nada, pois uma neblina densa havia se instalado. Coberto de dores e de desconforto, só conseguia pensar no quanto isso tudo é injusto...

10 de Junho

O médico veio hoje. Ele me fez engolir uma pílula estranha que ardeu cada centímetro de minha garganta, e disse que se ela não aliviasse a minha dor, ele teria de recorrer a medicamentos mais fortes. Eu não quero medicamentos mais fortes. A pílula que tomei já me deixou com enjôos e tonteiras durante o dia inteiro. Além do mais, se eu só me sinto melhor quando estou drogado, quem sou eu de verdade? Não consigo deixar de pensar que a as angústias da vida real são terrivelmente fortes, a ponto de nos vermos obrigados a recorrer a outras realidades que nos auxiliem na enfrentamento da nossa. Sei que devo estar soando patético e fraco, mas nem todo mundo consegue ser tão forte. Será que é tão condenável escolher tentar fugir ao invés de lutar? Algumas pessoas provavelmente diriam que sim, mas nenhum deles teve de passar pelo que passei. Sinto que isto é um pensamento tão egoísta, mas por mais que tente, não consigo evitar o modo como eu me sinto. É muito difícil continuar vivendo desse jeito...

11 de Junho

Ah, Julia... Por mais que eu saiba que é loucura, no meu íntimo eu ainda tenho a esperança de que alguma hora você vai entrar por aquela porta balançando seus lindos cabelos escuros, vai vir correndo me abraçar e me dizer o quanto estava preocupada comigo e o quanto sentiu minha falta. Que vai reabrir a janela do meu coração, trancada por tanto tempo, e novamente fazer crescer flores onde um dia foi um jardim. Por isso, eu observo esperançosamente a porta o dia inteiro. Mas ela jamais se abre. Então eu continuo esperando, preso no casulo da minha dor e solidão. Sentindo-me fraco e desamparado, aguardando eternamente alguém que já sei que não vai voltar. Eu queria tanto poder mudar o modo como as coisas acabaram, Julia... Mas não consigo. Por isso fico aqui, pintando na cabeça um mosaico das nossas lembranças. Da nossa temporada em Cancun. Lembranças de tempos um dia melhores, tempos que não retornam mais. Os anos maravilhosos que tive ao seu lado... Mesmo que a nossa vida juntos tenha terminado desse jeito, eu não trocaria o tempo que passei com você por nada nesse mundo. Se na época que te conheci, alguém do futuro aparecesse para me contar todas as felicidades que eu iria viver com você e me dissesse que o custo delas seria o que estou passando agora, eu não teria dúvidas de que faria tudo de novo. Não posso pedir que você se lembre de mim onde quer que esteja agora, mas não consigo suportar a idéia de você me esquecer. Você me deu tanta coisa, e eu não fui capaz de retribuir nada...
Julia...
Você me fez feliz...

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