Naquele momento, sentou-se decidido na cadeira e pegou uma caneta. Encarou por um instante o papel em branco, decidido a registrar de uma vez o monólogo que se desenrolava noite após noite em sua cabeça durante todos esses anos. Decidido a traduzir para o papel a solidão que permeava seu âmago todas as vezes que, deitado, olhava para as rachaduras no teto, imaginando qual seria o real significado de tudo isso. Sabia que somente o papel iria ouvi-lo, pois o mundo ao redor parecia roubar o eco de suas palavras. Estava cansado de remoer idéias no peitoril da varanda, observando a solidão depressiva de uma noite abarrotada de luzes artificiais. Cansado de suspirar palavras adocicadas nos ouvidos da mulher sem cérebro que o esperava em casa, dia após dia, com uma refeição pronta e com as pernas abertas. Desgastado pela apatia que o encarava toda manhã através do espelho, mascarada pelos rostos e risadas que foram sempre capazes de conquistar todos ao seu redor. Sem motivações para inventar uma outra e nova vida para preencher esse vazio, que almejava algo desconhecido em algum horizonte muito além do nosso. Mas, acima de tudo, profundamente amargurado pela noção de que 'crescer' significava somente aprender a esconder aquilo que de lá de dentro vinha. Sabia, portanto, que deveria registrar algo. Independente de alguém ler ou não, serviria como a única manifestação contrária à uma vida inteira que copiou o senso de moralidade dos robôs ao seu redor. Porém, no instante em que sentou-se na cadeira para finalmente revelar ao papel suas aflições, paralisou. Sua mente estava em branco. Ele não simplesmente desconhecia o modo apropriado de dar forma à seus pensamentos. Era como se já não soubesse mais o que um dia quis dizer em primeiro lugar. Permaneceu imóvel durante alguns minutos, até despertar num estalo, abrindo seu laptop e lembrando que tinha trabalho à fazer.
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" Sabia que somente o papel iria ouvi-lo, pois o mundo ao redor parecia roubar o eco de suas palavras. " lindo, simplesmente bonito
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